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Psicóloga explica como identificar sinais em quem é vítima de abusos sexuais

Saiba como reconhecer e ajudar quem sofre este tipo de abuso

5 de março de 2022

Foto: Envato Elements

Há uma semana, um caso que envolvia diversos crimes sexuais contra crianças provocou revolta na população, pela gravidade dos delitos. O autor dos crimes já teve a prisão preventiva ordenada e está no Presídio Regional de Blumenau.

Para falar um pouco sobre a parte psicológica, principalmente relacionada a quem é vítima deste tipo de crime, nossa equipe de reportagem conversou com Bianca Sabine Utpadel, psicóloga da Polícia Civil de Santa Catarina.

Especialista em psicologia jurídica e forense, ela falou dos impactos que as vítimas podem carregar para o resto de suas vidas, após sofrerem abusos sexuais.

“Vítimas de abuso sexual podem apresentar as mais diversas consequências emocionais, interpessoais, comportamentais, cognitivas, físicas e sexuais; ou, inclusive, não apresentar qualquer sinal e/ou sintoma. Tal condição está diretamente relacionada a vários fatores, como a idade da criança à época do abuso sexual, o elo de ligação existente entre ela e o abusador, o ambiente familiar em que a criança vive, o impacto que o abuso terá após a sua revelação, a reação dos conhecidos, assim como as decisões sociais, médicas e judiciárias que intervirão no caso. No entanto, uma das consequências mais comum em vítimas de violência sexual está relacionada ao transtorno de estresse pós traumático, que, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), inclui lembranças intrusivas, recorrentes e involuntárias do trauma vivenciado, sonhos angustiantes relacionados ao evento traumático, reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente, sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático, entre diversos outros listados, sendo que, vários desses sintomas devem estar presentes por mais de um mês”.

A psicóloga também falou sobre os tratamentos para ajudar a pessoa a diminuir os impactos psicológicos por conta dos abusos sexuais.

 

Bianca Utpadel, especialista em psicologia jurídica e forense. (Foto: Arquivo pessoal)

A recuperação depende da capacidade de resiliência da vítima. Resiliência significa a capacidade multideterminada por fatores internos e externos de recuperar-se de fatos estressantes, conseguindo reposicionar-se, reorganizando-se e fortalecendo-se. O indicado é que, na identificação de sofrimento emocional, a vítima receba acompanhamento psicológico especializado para que consiga reelaborar o evento estressor vivenciado. Dessa forma, há a possibilidade de que ocorra seu fortalecimento psíquico e consiga, a partir de então, levar uma vida sem, constantemente, reviver a violência sofrida, podendo voltar a ter uma vida de relações baseadas na confiança.

Bianca também explicou sobre formas de observação de sinais que possam dar indícios de que uma pessoa pode estar sendo vítima de abuso sexuais. Segundo ela, diversos podem ser os sinais demonstrados.

“Diversos podem ser os sinais demonstrados por vítimas de violência sexual. Os principais são os sentimentos de culpa, vergonha, constrangimento, medo, ansiedade, impotência, raiva, brincadeiras sexualizadas, comportamento regressivo, distúrbios de conduta, mudanças nos padrões de sono e alimentação, baixa concentração, negação e transtornos de memória. No entanto, educadores e familiares precisam estar atentos, essencialmente, a mudanças bruscas no comportamento de crianças e adolescentes. É fundamental que os adultos conheçam suas crianças e, na identificação de alterações de condutas, de forma persistente, ligam o sinal de alerta. O indicado é constantemente manter um diálogo aberto para que, diante de qualquer ocorrência, a criança possa confiar e falar sobre o que acontece. Lembrando que a violência sexual contra crianças e adolescentes, em sua grande maioria, ocorre dentro das relações familiares, o que requer maior cautela. O fato de o abuso sexual ser realizado sem o uso de força ou violência física está relacionado à questão da lealdade e da confiança que a criança deposita no agressor, que utiliza essa relação para obter o seu silêncio”.

Bianca também alerta para o cuidado na elaboração de hipóteses quanto à possibilidade de abuso sexual, com base apenas na identificação de sintomas isolados. “Muitos sinais podem indicar outras dificuldades e/ou problemas que a criança esteja eventualmente enfrentando. É importante destacar, ainda, que o abusador geralmente não apresenta comportamento condenável social ou legalmente. Pode ser identificado como aquela pessoa que insiste em abraçar, pegar, beijar, fazer cócegas ou segurar a criança mesmo que não queira, conversa sobre atividades sexuais, dá presentes ou dinheiro sem razão”.

A psicóloga ainda diz que o agressor pode pertencer a qualquer classe social e, como já citado, na maioria dos casos, está próximo da criança e conta com a confiança dela, aproveitando-se da relação de poder que mantém com a vítima.

Para finalizar, Bianca fez uma relação de mitos e verdades referentes à violência sexual e você pode conferir essa análise, abaixo.

MITO: se não houver marcas físicas, não houve abuso.
REALIDADE: a maioria dos abusos são disfarçados num discurso de carinho e amor. Muitas vezes, não há marcas físicas.

MITO: somente meninas são abusadas sexualmente.
REALIDADE: cerca de 1/4 das vítimas são meninos.

MITO: só homens abusam de crianças.
REALIDADE: mulheres também abusam.

MITO: a criança não se recordará do abuso e crescerá sadia.
REALIDADE: mesmo sem se recordar de tudo, a criança sofre os efeitos da situação abusiva.

MITO: se a criança se retrata em relação ao abuso é porque não ocorreu o fato.
REALIDADE: muitas crianças se retratam em razão de ameaças, intimidações, sofrimento dos pais e da confusão gerada pela reação das pessoas que ama quando anuncia o abuso.

MITO: a criança ou o adolescente cooperou com o ofensor.
REALIDADE: o abusador envolve as vítimas. Há no abuso uma relação desigual, em que o poder ou a autoridade do abusador causa obediência e sujeição.

MITO: Basta ensinarmos nossas crianças a evitarem estranhos perigosos, para que não sejam abusadas sexualmente.
REALIDADE: 85-90% dos agressores são conhecidos da criança, principalmente de sua própria família.

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