A história da mulher na produção cervejeira: do Medievo ao mercado atual
A história da cerveja é intrinsecamente ligada à presença feminina. Desde os primórdios, mulheres desempenharam papéis cruciais na produção e distribuição dessa bebida milenar.

Imagem ilustrativa. (Foto: Envato Elements)
No mês de março temos dois acontecimentos marcantes dia internacional da mulher comemorado no dia 08 de março; e o Festival da Brasileiro da Cerveja em Blumenau, 12 a 14 de março 2025; que não podiam passar desapercebidos por esta colunista. Pois celebramos a força, a paixão e o talento das mulheres cervejeiras. Que seus exemplos inspirem outras mulheres a seguirem seus sonhos e a conquistarem seus espaços no mundo da cerveja. Um brinde a todas as mulheres que fazem a diferença nesse mercado! Mas você sabe a importância das mulheres ao longo da história da cerveja?
A história da cerveja é intrinsecamente ligada à presença feminina. Desde os primórdios, mulheres desempenharam papéis cruciais na produção e distribuição dessa bebida milenar.
A história da cerveja, uma das bebidas mais antigas e apreciadas do mundo, está intrinsecamente ligada à figura feminina. Desde os primórdios da civilização, na Mesopotâmia, as mulheres desempenharam um papel fundamental na produção e no consumo dessa bebida milenar. As “sábias”, como eram chamadas as mulheres que dominavam a arte da fermentação, eram responsáveis por cultivar os grãos, preparar o mosto e conduzir o processo de fermentação, garantindo o sustento e o bem-estar de suas comunidades.
A história da cerveja remonta à Antiguidade, com evidências de sua produção na Mesopotâmia e no Egito. Nesses primórdios, a cerveja era uma bebida sagrada, associada a rituais religiosos e ao poder feminino. As mulheres eram as principais produtoras de cerveja, detendo o conhecimento da fermentação e sendo reverenciadas por sua capacidade de transformar ingredientes simples em uma bebida nutritiva e revigorante.
Na Suméria, por volta de 4.000 a.C., as “sabtiem” (cervejeiras) eram consideradas divindades, e a cerveja era oferecida em templos como oferenda aos deuses. No Egito, a deusa Tenenet era a protetora da cerveja, e as mulheres eram responsáveis por sua produção em larga escala.
Com o passar dos séculos, a produção de cerveja se espalhou pela Europa, mantendo-se como uma atividade predominantemente feminina. Na Idade Média, as mulheres eram as principais produtoras de cerveja em suas próprias casas, utilizando ervas e especiarias para criar sabores únicos e propriedades medicinais.
No entanto, a partir do século XIII, a crescente comercialização da cerveja e a ascensão das guildas de cervejeiros começaram a ameaçar o domínio feminino na produção da bebida. As mulheres, conhecidas como “alewives”, vendiam suas cervejas em mercados locais, muitas vezes competindo diretamente com as guildas masculinas.
Essa competição acirrada, aliada ao contexto de misoginia e perseguição religiosa da época, culminou na infame caça às bruxas. As mulheres que produziam cerveja, especialmente aquelas que obtinham sucesso financeiro, passaram a ser acusadas de bruxaria. O caldeirão, outrora símbolo de fertilidade e nutrição, tornou-se um instrumento de magia negra, e as ervas e especiarias utilizadas na cerveja foram associadas a poções malignas.
Os símbolos associados às bruxas, como o caldeirão, o chapéu pontudo, a vassoura e o gato preto, têm suas raízes na prática da produção de cerveja. O caldeirão era o recipiente utilizado para a fervura do mosto, o chapéu pontudo protegia as mulheres do calor e da fumaça, a vassoura era usada para limpar o chão da cervejaria, e o gato preto ajudava a controlar os roedores que ameaçavam os grãos.
A imagem da bruxa voadora em sua vassoura pode ter se originado da prática de usar varas de madeira para mexer o mosto em grandes caldeirões. A espuma que se formava durante a fervura, rica em leveduras, poderia ser interpretada como um sinal de magia ou intervenção sobrenatural.
Apesar da perseguição e da tentativa de apagamento histórico, as mulheres continuaram a produzir cerveja, mantendo vivas as tradições e os conhecimentos ancestrais. A cerveja tornou-se um símbolo de resistência e empoderamento feminino, representando a força e a resiliência das mulheres ao longo dos séculos.
Cervejeiras notáveis ao longo da história
* Hildegarda de Bingen (1098-1179): Monja alemã conhecida por seus escritos sobre medicina, botânica e música. Ela foi a primeira pessoa a documentar o uso do lúpulo na cerveja, reconhecendo suas propriedades conservantes e medicinais.
* As “alewives” medievais: Mulheres que produziam e vendiam cerveja em suas próprias casas, desafiando as guildas masculinas e contribuindo para a economia local.
* As mulheres da família Bass: A família Bass, fundadora da Bass Brewery em 1777, contava com diversas mulheres que desempenharam papéis importantes na administração e no sucesso da cervejaria.
O Concurso Brasileiro de Cervejas, realizado anualmente em Blumenau, Santa Catarina, é um dos maiores e mais importantes eventos cervejeiros da América Latina. E, para nossa alegria, as mulheres têm se destacado cada vez mais nesse palco, conquistando medalhas e reconhecimento por suas criações em várias edições;
Um exemplo inspirador é a cerveja “Dama Bier IPA”, produzida pela cervejeira Deise Cristina Turtelli, da cervejaria Dama Bier, em Piracicaba, São Paulo. Essa cerveja, medalhista no concurso, apresenta um perfil sensorial marcante, com aromas cítricos e frutados, provenientes dos lúpulos americanos, e um amargor equilibrado, que convida a um novo gole.
Outra cerveja que merece destaque é a “Bastards Pin Up APA”, criada pela cervejeira Renata Thiele, da cervejaria Bastards Brewery, em Curitiba, Paraná. Essa American Pale Ale, também premiada no concurso, se destaca pelo equilíbrio entre o amargor dos lúpulos americanos e o dulçor dos maltes, resultando em uma cerveja refrescante e saborosa.
A presença feminina no mercado cervejeiro é fundamental para a construção de um setor mais diversos, inclusivo e inovador. As mulheres trazem consigo uma bagagem de conhecimento, criatividade e sensibilidade que enriquece a produção de cerveja e contribui para a criação de novos sabores e experiências.
Vamos a mais dicas, de excelentes cervejas:
Cervejaria Berghain – Timbó.
Cerveja Tripel com Brettanomyces e Infusão de Lasas de Barril de Bourbon
Estilo: Tripel (Belga) com toques experimentais; ABV: 8,6; IBU: 25
Cor: Dourado intenso, límpida; Espuma: Branca, densa e cremosa, com excelente retenção; Aroma: O aroma inicial é complexo e intrigante, com notas clássicas de uma Tripel belga: frutas tropicais maduras (abacaxi, manga e pêssego), especiarias leves (pimenta branca e cravo) e um toque de mel. A presença da levedura Brettanomyces adiciona camadas de rusticidade, com nuances terrosas, de couro e um leve toque de frutas ácidas, como maçã verde e pera. A infusão das lascas de barril de bourbon contribui com notas sutis de baunilha, caramelo tostado e um toque de madeira, sem dominar o perfil aromático.
Sabor: No paladar, a cerveja começa doce e frutada, com destaque para as notas de frutas tropicais e mel, típicas de uma Tripel. A complexidade da Brettanomyces surge em seguida, com um caráter levemente funky, terroso e ácido, que equilibra a doçura inicial. O final é levemente picante, com um toque de amargor herbal. A influência do barril de bourbon aparece de forma elegante, com nuances de caramelo, baunilha e um leve toque de álcool quente, que complementam o perfil sem sobrecarregar.
Sensação na Boca: Corpo médio-alto, com carbonatação efervescente que refresca o paladar. A textura é cremosa, com um final levemente adstringente, típico da ação da Brettanomyces. O álcool é perceptível, mas bem integrado, aquecendo suavemente o final.
Harmonização: Esta cerveja combina bem com queijos envelhecidos, como Gouda ou Parmigiano-Reggiano, pratos com molhos cremosos ou sobremesas como crème brûlée e torta de maçã. A complexidade da cerveja também permite apreciá-la sozinha, como uma experiência sensorial completa.
Cervejaria Blumenau
A Maracujá Negro, da Cerveja Blumenau, rótulo da linha Mestres do Tempo e medalha de ouro na categoria Mixed-Culture Brett Beer no Concurso Brasileiro de Cervejas em 2021, em garrafas de 750ml, rolhada.
O rótulo é um blend de duas cervejas que maturaram em barris de madeira há mais de 15 meses na adega da cervejaria: uma Belgian Dark Strong Ale com adição de framboesas e uma cerveja de fermentação espontânea com adição de polpa de maracujá. Além disso, a Maracujá Negro também foi refermentada com Brettanomyces isoladas, em parceria com a Levteck e com alunos da Escola Superior de Cerveja e Malte (ESCM).
Os barris que maturaram essas cervejas estavam entre os primeiros do projeto da adega, que hoje tem mais de 40 cervejas. O que gostamos muito nessa combinação é que os elementos – maltes tostados, framboesas, maracujá – estão transformados, mas seguem presentes. Sensorialmente, é uma cerveja que aponta para onde a linha Mestres do Tempo vai: rótulos com muita complexidade, que podem surpreender até mesmo os apreciadores de cerveja artesanal mais exigentes.
A graduação alcoólica da Mestres do Tempo Maracujá Negro é de 7,5%. O IBU (índice de amargor que varia de 0 a 120) é 8 e a temperatura ideal de consumo é entre 5 e 7°C. Para harmonizar, a sugestão é tartare de carne vermelha, tortas com cobertura de chocolate e mousses. É considerada uma cerveja de guarda, categoria que ganha com uma quantidade maior de nuances em aromas e sabores com o passar do tempo de envelhecimento em garrafa.