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Uma união celebrada com tradições locais

Sirio Jandre e Rúbia Peiker Jandre celebraram seu casamento durante a Festa Pomerana, em 2007. A celebração foi totalmente planejada para seguir as tradições do matrimônio realizadas antigamente

10 de março de 2024

Casal relembra com carinho da cerimônia tradicional. (Foto: Arquivo pessoal)

Um casamento que seguiu as tradições pomeranas, pelo desejo dos noivos em trazer a cultura para um dos momentos mais especiais de suas vidas.

Sirio Jandre e Rúbia Peiker Jandre se casaram em 27 de janeiro de 2007, durante a Festa Pomerana daquele ano, no último sábado de evento, e a cerimônia seguiu as tradições dos casamentos de antigamente, em Pomerode.

“Nós dois tínhamos envolvimento cultural, algo que mantemos até hoje. Como nos conhecemos através da cultura, decidimos fazer desta forma tradicional e resgatando a cultura pois estávamos neste meio. O Sirio sempre fez o Festbitter, e eu sempre toquei na banda. Vimos os primeiros casamentos, Sirio anunciava e eu tocava nestes casamentos, e achávamos tudo isso muito legal, por isso a opção por nos casarmos desta forma”, conta Rúbia.

Segundo a historiadora Roseli Zimmer, “no momento em que era marcada a data do casamento os pais dos noivos assumiam uma postura de auxiliar os filhos na preparação de seu casamento. Tudo era planejado em conjunto. Cada família se encarregava de custear a metade das despesas providenciando gêneros alimentícios e recursos financeiros para a festa. Os pais da noiva preparavam o enxoval da moça que consistia em: um jogo de quarto completo (cama, colchão de palha, coberta e travesseiros de pena, roupa de cama e armário), uma mesa com cadeiras ou bancos e um armário para guardar comida, baú, gamela, ferro de passar roupa a carvão e louças para a cozinha, uma máquina de costura, e animais, como uma vaca, galinhas e um porco. O Enxoval da Noiva era denominado de Brautausstattung ou Aussteuer.

A comemoração do casamento era um fato muito importante para as famílias envolvidas. Quando a data do enlace matrimonial estava próxima, faltando oitos dias para o acontecimento, o Hochzeitsbitter tinha a tarefa de convidar todos os parentes, amigos e vizinhos para o casório. O Hochzeitsbitter era um dos dois homens escolhidos para serem testemunhas de casamento. Ele vinha a cavalo cuja sela e os arreios eram enfeitados com flores naturais, laços e fitas nas cores verde, amarelo, azul e vermelho. Seu paletó e o seu chapéu também eram enfeitados com flores, laços e fitas.

Ele visitava todas as residências e aos seus moradores declamava o convite de casamento em forma de poesia. Hoje em dia esta tradição não existe mais em Pomerode. A festa de casamento era geralmente preparada na casa dos pais da noiva, mas poderia também acontecer na casa do noivo. Um casamento era um acontecimento de primeira ordem nas comunidades pomerodenses. Existem relatos orais e escritos de que há cem anos atrás, entre as décadas de 1900 a 1930, os casamentos eram comemorados nas quartas-feiras, isto é, no meio da semana e paulatinamente eles foram sendo transferidos para o dia de sábado” (ZIMMER, Roseli. Histórico das celebrações de 100 anos atrás em Pomerode. Pomerode: Prefeitura Municipal de Pomerode, dez. 2004).

Na época, o casal recebeu ajuda da historiadora Roseli Zimmer, que orientou sobre todas as tradições envolvidas em uma cerimônia de casamento tradicional, que será explicada adiante. “Lembro de ir anotando tudo, e falei com os convidados para que eles entrassem no clima e seguissem a ideia, nas vestimentas. Cuidamos muito na comida, com saladas e carnes, mais reduzido, como era na época. Também era uma tradição daqui, depois, oferecer o capilé com cuca, e isso trouxemos em nosso casamento, capilé com água com gás. A decoração também foi seguida à risca, e lembro de ter o acompanhamento da Roseli, que me orientou quanto ao que era tradicional”, relembra Rúbia.

Também de acordo com um trabalho da historiadora, as damas de honra também tinham um papel fundamental na preparação da decoração. “Se a noiva havia decidido que parte da decoração tivesse que ter flores em papel de seda, as moças que eram suas damas de honra (testemunhas) deveriam confeccioná-las no final de semana anterior ao casamento. As flores em papel de seda eram utilizadas para enfeitar a carroça dos noivos, a sala de visita onde ocorreria o baile e demais dependências da casa para o dia dos festejos” (ZIMMER, Roseli. Histórico das celebrações de 100 anos atrás em Pomerode. Pomerode: Prefeitura Municipal de Pomerode, dez. 2004).

Foto: Arquivo pessoal

 

O casal organizou a tradição do quebra-caco, seguindo os costumes da época. Rúbia relembra que seu vestido também seguiu os padrões da época, em um modelo mais simples. “Meu vestido foi em Lese, com mangas 3/4, véu, e os desenhos com flores eram bem tradicionais, como eram os vestidos de antigamente. E ficou do jeito que eu queria. Na cerimônia, fizemos a tradição de colocar o véu em uma moldura, com tampa de vidro, acompanhado dos segredos, e que foi fechada por meu padrinho”, conta.

O convite do casamento também seguiu os padrões da época, em pergaminho, todo escrito em alemão. A cerimônia aconteceu na Igreja Luterana do Centro, toda em alemão, e depois os noivos e convidados seguiram para a Festa Pomerana.

Convite da cerimônia, em alemão. (Foto: Arquivo pessoal)

 

“Fizemos também o Küchenmarsch, bem certinho, como era. Tudo foi bem simples, mas foi lindo e seguiu o nosso desejo, de ressaltar a cultura e as nossas tradições”, declara Rúbia.

 

Os casamentos de antigamente

Ainda segundo a pesquisa e o trabalho de Roseli Zimmer, “quando os casamentos aconteciam nas quartas-feiras, reuniam-se na casa dos pais da noiva: os pais do noivo, as testemunhas do casamento, as mulheres vizinhas e os parentes que moravam mais próximo do local dos festejos”.

Na noite de segunda-feira que antecedia o casamento, acontecia o Polterabend, também conhecido por Noite de Quebra-Cacos. Tratava-se de uma festa ruidosa promovida pelas testemunhas e todos que estavam ajudando nos preparativos da festa. Os conhecidos, os amigos dos noivos e os parentes mais próximos também compareciam.

Cada pessoa ou grupo de pessoas que vinha participar deste jantar especial trazia louças de porcelana (inteiras, lascadas ou em parte danificadas) embrulhadas em grandes pacotes. Ao entrar na sala os visitantes procuravam pelos noivos e diante deles declamavam uma poesia em alemão. Ao estender o presente aos noivos deixava-o cair e ao som do quebrar das porcelanas desejava-se boa sorte ao novo casal dizendo: – “Scherben bringen Glück” – “cacos de porcelana trazem sorte.”

Os noivos deveriam varrer e ajuntar todos os cacos para garantir um bom casamento. Entre a chegada de um grupo de visitante e outro o jantar era servido e constava do cardápio o Schwarzsauer (cabidela) – sopa feita com o sangue das aves abatidas naquele dia-, aipim frito, verdura em conserva, pão, café, licores de: gengibre, Kümmel, erva-doce, aniz, hortelã, Süssen (licores feitos com anilina vermelha e verde) e não poderia faltar a cachaça. Na manhã seguinte, os noivos deveriam acordar bem cedo e retirar de dentro da casa todos os cacos de louça do Polterabend, e joga-los em um local sombreado antes do nascer do sol para lhes garantir boa sorte em seu matrimônio.

 

Na manhã de quarta-feira, todos acordavam bem cedo e deixavam a hospedaria para irem ao Cartório. Nesse ato oficial – Standesamt ou Zusammenschreiben -, o Juiz de Paz solicitava a presença das duas testemunhas homens para assinarem os documentos do registro civil. Após a oficialização da união no Cartório, os nubentes e as testemunhas iam até a Igreja onde o Pastor fazia a celebração religiosa.

O ato civil e religioso continuou por muito tempo sendo acompanhado pelos noivos e testemunhas. A partir do ano de 1934, quando o Rio do Testo foi elevado a categoria de Distrito, o ato civil passou a ser realizado em Pomerode. Após a Segunda Guerra Mundial, os habitantes do centro de Pomerode começaram a inovar em um costume e solicitavam aos convidados que os acompanhassem à cerimônia religiosa. Entretanto, ainda hoje percebemos em nossa Pomerode que em alguns casamentos somente vão a Igreja os noivos, as testemunhas e os pais dos noivos.

No dia do casamento, ao som de uma alegre música, os noivos iam à frente dos músicos até a área aberta onde estavam as cozinheiras e os assadores das carnes para colocarem em ação o Küchenmarsch, a Marcha da Cozinha. Ali formavam um cortejo que saia deste local, passava pelos arredores da casa, entravam por uma porta da casa e saiam pela outra e retornavam até o local onde estavam os grandes tachos para realizarem naquele espaço uma dança. Ali os músicos tocavam outra alegre música e as cozinheiras e assadores de carne dançavam agitando no ar o utensílio que levavam nas mãos: espetos com carne, pás de forno, assadeiras, bules, panelas, entre outros. O Küchenmarsch é um costume que ainda persiste nas comunidades do interior de Pomerode.

Após a cerimônia religiosa, Rúbia e Sirio participaram do desfile até o Pavilhão de Eventos. (Foto: Arquivo pessoal)

 

Por volta da meia-noite antes de ser realizada a retirada da coroa e da grinalda da noiva- der Kranz wurde abgetantzt, os noivos dançavam uma valsa – Ehrenrunde. Depois dançavam os noivos e as testemunhas e a terceira música era para os noivos, testemunhas e os pais dos noivos. Após estas danças, a noiva sentava-se em uma cadeira e sob o olhar de todos os presentes o noivo deveria soltar e retirar a coroa de flores e a grinalda da cabeça da esposa.

Os noivos compareciam diante do padrinho de batismo e colocavam dentro de uma caixa a coroa de flores da noiva e a flor da lapela do terno do noivo.

Para concretizar este costume um dos padrinhos de batismo da noiva ou do noivo providenciava, com antecedência, a coroa de flor para a noiva e a flor de lapela para o noivo. No dia em que os noivos saiam de casa para se casar, o padrinho de batismo entregava a coroa de flor para a noiva e a flor de lapela ao noivo. Dessa forma completavam os seus trajes de casamento e daí partiam para as cerimônias civil e religiosa.

Hoje, a família celebra a tradição unida, na Festa Pomerana. (Foto: Arquivo pessoal)

 

O padrinho de batismo já havia preparado uma caixa de madeira – Hochzeitskiste- na qual a noiva guardava a sua coroa de flor e o noivo a sua flor de lapela. Entretanto antes do padrinho selar a caixa com uma tampa de vidro, a noiva guardava o seu segredo para o noivo e vice-versa. Nem o padrinho poderia abrir os segredos dos noivos. Após selada a caixa – Hochzeitskiste – o padrinho de batismo entregava-a ao casal e lhes desejava muitas felicidades e também lhes lembrava que cada um tinha responsabilidade para com o outro.

Esta caixa tinha um forte significado para os nubentes. Era a benção que um padrinho de batismo lhes concedia para um casamento duradouro. A caixa era colocada na sala da casa dos noivos, em lugar de destaque. Ela somente poderia ser retirada da parede quando um dos esposos falecia. Nesta ocasião o outro poderia abrir a caixa e desvendar o segredo que havia sido ali guardado. A Hochzeitskiste pode ser considerada como um baú de segredos. Após os noivos terem cumprido este ritual, retiravam-se da festa para trocar de roupa e retornavam para festejar até o dia raiar. Porém a Hochzeitskiste não faz mais parte dos rituais de casamentos contemporâneos.
(ZIMMER, Roseli. Histórico das celebrações de 100 anos atrás em Pomerode. Pomerode: Prefeitura Municipal de Pomerode, dez. 2004).

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