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O amor não conta cromossomos

Conheça a relação de Cassia Rosana Schneider Lochner com sua irmã, Clarice Regina Schneider, que possui Síndrome de Down e saiba como é o trabalho da Apae de Pomerode

21 de março de 2025

Clarice com a irmã, Cassia. (Foto: Arquivo pessoal)

A Síndrome de Down (SD) ou trissomia do cromossomo 21 é uma alteração genética causada por um erro na divisão celular durante a divisão embrionária. Os portadores da síndrome, em vez de dois cromossomos no par 21 (o menor cromossomo humano), possuem três. Apesar da origem da SD ser desconhecida, ela é a alteração cromossômica mais comum em humanos e a principal causa de deficiência intelectual na população.

No dia 21 de março é celebrado o Dia Internacional da Síndrome de Down, e a data é utilizada para reforçar a conscientização sobre a síndrome e a respeito da inclusão de quem possui a SD na sociedade.

A psicóloga da Apae de Pomerode, Heloísa Helena da Silva, afirma que a trissomia do cromossomo 21 pode ser identificada já no pré-natal, durante a gestação, para que a família já tenha a confirmação por alguns exames, como de sangue e ultrassonografia, e também após o parto, com algumas características que a criança pode apresentar.

As características são: olhos oblíquos semelhantes aos dos orientais, rosto arredondado e orelhas pequenas; hipotonia: diminuição do tônus muscular, que faz com que o bebê seja menos rígido e contribui para dificuldades motoras, de mastigação e deglutição, atraso na articulação da fala e, em 50% dos casos, problemas do coração; às vezes, a língua é grande, o que, junto com a hipotonia, faz com que o bebê fique com a boca aberta; mãos menores com dedos mais curtos e prega palmar única em cerca de metade dos casos; em alguns casos existe excesso de pele na parte de trás do pescoço; em geral a estatura é mais baixa; há tendência à obesidade e a doenças endócrinas, como diabetes e problemas como hipotireoidismo; a articulação do pescoço pode apresentar certa instabilidade e provocar problemas nos nervos por compressão da medula; deficiências auditiva e de visão podem estar presentes; maior risco de infecções (principalmente as otites, infecções de ouvido) e leucemias; comprometimento intelectual e, consequentemente, aprendizagem mais lenta.

“Quando a criança nasce, se não foi detectado na gestação, é realizado o aconselhamento genético, para constatar se a criança tem a trissomia do cromossomo 21. Em um primeiro momento, o que a família precisa é de acolhimento, por conta da descoberta da síndrome e em um segundo momento buscar as terapias e estimulações necessárias. Geralmente quem possui a Síndrome de Down tem um atraso no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades motoras, linguísticas, problemas cardíacos, oculares, hipotireoidismo, com variação de indivíduo para indivíduo. O que a família precisa, depois, é buscar as terapias para que a criança possa ser estimulada e ter um desenvolvimento equiparado aos seus pares”, afirma Heloísa.

Clarice Regina Schneider tem 49 anos, mora em Pomerode e possui a Síndrome de Down. Ela reside com a irmã, Cassia Rosana Schneider Lochner, que relembra como foi a descoberta da Síndrome por parte da família, há quase 50 anos.

“Eu tinha 12 anos quando a Clarice nasceu e, pelo que eu me lembro, foi um choque. Imagine como poderia ser receber essa notícia naquela época. Era tudo muito novo, especialmente para os meus pais. Acho até que eles também não entenderam muito o que era isso na época. Nós só começamos a perceber que o desenvolvimento dela não estava ocorrendo depois de cerca de um ou dois anos”, relembra.

Segundo Cassia, a família começou a entender o que seria a síndrome depois desta percepção e, na época, sequer se utilizava este termo. Quando Clarice tinha cinco anos, a mãe dela e de Cassia foi diagnosticada com câncer, o que trouxe novos desafios à família.

Foto: Arquivo pessoal

 

“Minha mãe lutou contra o câncer por cinco anos, até falecer. Neste período, meu pai também acabou adoecendo e morreu cerca de sete meses antes dela. Eu e meus irmãos éramos em seis, com a Clarice, e eu acabei ficando responsável por ela, porque eu já cuidava muito dela, desde sempre, então foi muito natural e por amor de irmãs”, declara Cassia.

Após um tempo, Cassia encontrou uma instituição que cuidava das crianças que possuíam alguma síndrome, onde Clarice ficava por meio período. Depois, ela passou a frequentar um jardim de infância à tarde, para que Cassia pudesse trabalhar. “Meus irmãos e minha outra irmã tinham as suas vidas e me ajudavam quando podiam, mas a Clarice eu acolhi com todo o meu coração e foi esse amor que sempre me deu forças”.

Cassia e Clarice residiam em Blumenau e a mais nova chegou a frequentar a Apae da cidade vizinha, embora Cassia admita que, no início, tinha certo receio quanto à irmã frequentar a instituição.

“Eu cheguei a pensar que a Clarice não precisava estar naquele local. Como ela era assistida por uma clínica boa, e ela estava em uma escolinha normal, eu acreditava que era o suficiente. Mas meu marido insistiu que a Clarice frequentasse a Apae, porque ele achava que ela ia ter um ensino específico. E foi a melhor coisa do mundo”, declara Cassia.

Há cerca de 18 anos, a família se mudou para Pomerode. Cassia teve duas filhas, Luísa e Joana, que foram criadas aqui na cidade, inclusive com a ajuda de Clarice, que sempre foi muito próxima às sobrinhas. Além disso, ela passou a frequentar a Apae de Pomerode, o que foi definido por Cassia como uma bênção.

“A Apae realiza um trabalho muito bonito e importante, com todos os alunos. Hoje, a Clarice faz parte de uma turma específica, dos adultos e participa de diversas atividades e terapias. Na minha opinião, hoje, a Clarice sem a Apae não existe. Ela adora ir para a Apae, estar lá, e acredito que ela poderia até ficar doente se não tivesse esse convívio com as pessoas na Apae, e sem o trabalho pedagógico realizado lá. Eu acho que a Clarice, sem a instituição, não seria a Clarice que é hoje”, pondera Cassia.

 

Para a irmã de Clarice, a Apae proporciona experiências importantes para o desenvolvimento, como incentivo ao convívio social, além do trabalho pedagógico e terapêutico. “Eles aprendem atividades do dia a dia, trabalho em equipe, têm a horta para cuidar, além dos passeios e atividades especiais, como o teatro, a dança, natação, bem como o incentivo à autonomia dos alunos, que aprendem a realizar tarefas básicas do dia a dia.

Cassia também comenta que, desde o momento em que Clarice começou a frequentar a Apae e usufruir do atendimento especializado, ela evoluiu em vários aspectos. Um deles é a autonomia, já que, embora não trabalhe, Clarice sabe dobrar suas roupas, arrumar a casa, cuidar do quarto dela e, quando sai, consegue ter o seu dinheiro e comprar as coisas que deseja.

Outro ponto muito positivo, citado por Cassia, é a possibilidade de aprenderem sobre informática na própria Apae, para também aprenderem a lidar com a tecnologia. Para a irmã de Clarice, a gratidão pelo que ela pôde aprender na Apae é imensurável.

“A Síndrome de Down possui um estágio de evolução e a Clarice, eu acredito, conseguiu chegar a este nível máximo. É muito interessante observar que ela praticamente cresceu junto com a Apae. Quando chegamos, ainda era apenas um prédio pequeno, com poucas salas, mas já com um serviço de excelência. Na época a diretora era a Riacarla, que fez um trabalho incrível, continuado agora pela Daniela. O trabalho realizado pela Apae é lindo, em todos os aspectos, até mesmo na alimentação, com acompanhamento de nutricionista e um refeitório próprio. É uma instituição fantástica”, enaltece Cassia.

Clarice nas aulas de natação. (Foto: Arquivo pessoal)

 

Clarice fala com alegria dos momentos vividos na Apae e, principalmente das amizades feitas ao longo dos anos. “Eu adoro meus amigos da Apae, o Valdir, a Roseli, o Elmo, o Silvio, a Rosane, e também adoro todas as professoras”, comenta.

Quando não está na Apae, Clarice fica em casa, na companhia de Sueli, uma cuidadora que trabalha na residência da família. Segundo Cassia, Sueli também ajuda na questão da socialização, levando Clarice para almoçar fora e para outros passeios.

“Normalmente, quando está em casa, a Clarice prefere ficar no quarto dela e cama é o seu espaço. Por isso, é importante que ela também saia e tenha contato com outras coisas, além do quarto e das suas coisas. Ela costuma ser muito fiel à rotina dela, assiste TV, gosta de jogos interativos, que ela pode jogar em cima da cama. Ela tem uma rotina dela, no espaço que é dela”, comenta Cassia.

De acordo com a psicóloga da Apae, na instituição, em Pomerode, há o Programa de Estimulação Precoce, destinado a crianças de até cinco anos, 11 meses e 29 dias, devido aos critérios de elegibilidade da Fundação Catarinense de Educação Especial, que rege os programas educacionais adotados pela Apae.

A partir do momento que pais ou responsáveis buscam os serviços da Apae, o futuro aluno passa por uma avaliação, para que se saiba quais as terapias que serão necessárias em sua estimulação.

“O principal objetivo, não só para quem tem Síndrome de Down mas para qualquer deficiência, é que possamos realizar os estímulos para proporcionar a eles autonomia, independência, ter uma vida o mais autônoma possível. Para as crianças, há o programa de estimulação precoce, com o estímulo pedagógico, além das terapias. Se, na avaliação, foi detectado que ela precisava de fisioterapia, psicologia, psicomotricidade, ela terá estas terapias, como arteterapia e musicoterapia, por exemplo, que trabalha questões sensoriais”, explica Heloísa.

 

Neste ano, a Apae de Pomerode adotou uma proposta nova de trabalho, que antes era a Casa Lar e agora é a Casa Montessore, que concilia a Metodologia Montessoriana, com o Currículo Funcional Natural. “Nesta casa os alunos ficam com a psicopedagoga, e ela vai trabalhar questões de autonomia, independência, para que eles consigam realizar estas atividades em casa”, comenta a psicóloga.

De acordo com Heloísa, quanto mais cedo uma pessoa com Síndrome de Down começar a receber estes estímulos, por meio do atendimento especializado, melhor será o seu prognóstico.

“Mas há casos que vêm apenas na vida adulta e o trabalho de estimulação também é necessário. Para isso, também temos uma parceria com as famílias, de instrumentalização, para que o trabalho que é feito aqui possa ser feito em casa, também, já que a estimulação é muito importante para o desenvolvimento destes alunos”, enaltece Heloísa.

Clarice e os alunos do grupo de danças folclóricas. (Foto: Arquivo pessoal)

 

Hoje, há quatro alunos com Síndrome de Down dentro dos programas educacionais da Apae de Pomerode, porém há mais pessoas que são cadastradas apenas para assistência social e atendimento médico, já que a Apae não é obrigatória. No entanto, estas pessoas ficam cadastradas e ativas, caso a família opte por fazer uso destes programas educacionais.

Para Cassia, a Apae de Pomerode tem uma importância enorme, pois, além de ser um serviço gratuito, fornece aos responsáveis pela pessoa com Síndrome de Down a certeza de que estarão sendo bem cuidados e estimulados, desde o momento em que o transporte chega para levá-los à Apae, até o momento em que retornam para casa.

“A Apae é excelente, especialmente aqui em Pomerode, e eu só tenho a agradecer pelo trabalho que eles realizam. A pessoa especial precisa disso, precisa desta atenção especial para obter seu lugar na sociedade. Quando chega o fim do ano e vemos as apresentações feitas pelos alunos, é muito lindo, todo o trabalho realizado é muito bonito e, sempre que podemos, também buscamos nos envolver nos eventos, estarmos presentes. A Apae, para a Clarice, é a vida dela e, para nós, nossa relação com ela é de muito amor e, como eu sempre digo, o amor não conta cromossomos. Meu marido também sempre abraçou a causa, desde o início, como toda a nossa família, e hoje é só felicidade”, finaliza Cassia.

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