GALERIA: fotógrafa moradora de Cruzeiro do Sul percorre mais de 50km na cidade e registra imagens da destruição no município
Sofia Kich reside no município gaúcho adotado por Pomerode e relatou os momentos de apreensão durante a enchente e de incerteza quando surgiu a dimensão da tragédia
Foto: Sofia Kich
Incerteza e tristeza. É com estas palavras que a fotógrafa Sofia Kich, moradora de Cruzeiro do Sul (RS) define o sentimento diante da situação que vive o município depois de ser atingido pelas chuvas que devastaram o estado vizinho, nas últimas semanas.
Boa parte deste cenário de guerra foi registrado por Sofia, que percorreu mais de 50km na cidade, fotografando a situação da cidade de Cruzeiro do Sul e da destruição que está por todo o lado.
Hoje, a cidade vive um momento de limpeza e reconstrução, mas segundo Sofia, a situação ainda é muito difícil para boa parte da população. “Ainda há casas sem luz e água. E quando tem água é preciso poupar. A situação é complicada, pois são muitos dias com lama nas casas, nos móveis, nas fotografias, roupas. Tudo vai estragando. Há muitas equipes de voluntários que gostariam de auxiliar na limpeza, mas não conseguem porque não tem água. Dessa vez, há bairros inteiros onde não há trabalho de limpeza, porque não sobrou nada para limpar”, comenta Sofia.
O início da catástrofe
Sofia relembra que os piores momentos tiveram início no dia 29 de abril, uma segunda-feira, quando choveu muito em Cruzeiro do Sul. “Na terça já falávamos em enchente, na quarta já havia pessoas em abrigos. A partir daí, já começou um cenário de filme de terror. A cada hora a notícia do aumento do nível das águas chegava. Não queríamos acreditar no que víamos e ouvíamos. Mas todos, em alerta, já saíram das casas, alguns abandonando tudo, porque o rio subiu muito rápido e a água veio com muita fúria. As últimas enchentes já haviam sido grandes então infelizmente já sabíamos que os estragos seriam enormes. Mas não sabíamos o que estava por vir”, relembra a fotógrafa.
Segundo Sofia, naquela quarta-feira, 1º de maio, ela estava com o filho no hospital, no município de Lajeado, vizinho a Cruzeiro do Sul, e de lá assistia apavorada ao jornal local, que trazia informações ao vivo de abrigos e ruas da cidade.
“A situação iria piorar. Voltamos para Cruzeiro apreensivos se ainda conseguiríamos acessar, porque a cidade fica completamente ilhada quando a água atinge certo nível. Na quinta, o cenário de filme de terror se misturava com o de uma guerra. Haviam pessoas perambulando pelas ruas sem destino. Eu encontrei duas crianças perdidas, os pais estavam à procura de água e comida. Nesse momento comecei a fotografar o que via. Durante a tarde, recebemos a notícia pelo rádio que havia rompido uma barragem e poderia chegar uma onda de até 6 metros, todos que estavam próximos de onde já estava a água deveriam evacuar. Foi traumatizante esse momento. Saímos correndo avisando a todos que podíamos, alguns sem acreditar, outros mesmo sem acreditar foram para um lugar alto, a Casa do Morro de Cruzeiro do Sul. Foram horas de angústia e incerteza, pois apenas algumas pessoas conseguiam informações via rádio, já não tínhamos mais luz e água há muitas horas. Até que veio a informação de que não se concretizaria a previsão. Ao longo das horas e dos próximos dias ia chegando informação de que haviam caído casas, prédios, pontes e cada vez mais notícias de pessoas que estavam em telhados ou com a água já no pescoço. Outros haviam tentado resgate e caíram na água. Foram dias que jamais esquecerei. Mas eu estive o tempo todo segura e com minha casa de pé”.
Do dia 30 de abril, quando a enchente começou, até o dia 10 de maio, quando a água finalmente baixou, Cruzeiro do Sul viveu dias de apreensão, tristeza e medo. Ainda mais porque, cerca de um dia depois, a água já subia novamente e até esta quarta-feira, 15 de maio, ainda havia locais com água.
O cenário após a enchente
Sofia usou uma palavra para definir o que se via em Cruzeiro do Sul após a enchente: destruição.
“A correnteza foi tão forte e a força da água tão inexplicável, que levou um bairro com uma média de 500 casas, não sobrou uma de pé. Além de outros bairros, como Glucostark, estarem devastados. No total estima-se que 1.000 casas foram destruídas. Nas outras enchentes, a água havia ido até o teto, estragado muita coisa, mas nessa derrubou tudo. Agora, não sobrou parede, nem os itens das casas. Nos escombros ficaram somente coisas mais pesadas. A água derrubou até uma igreja”, relata a fotógrafa.
E diante desta situação, o clima na cidade ainda é de incerteza e tristeza. “Incerteza porque ninguém sabe como será o futuro. Todo centro da cidade foi atingido, quando a água baixou não havia comércio para comprar nada, nem farmácias, nem mercados, nem lojas, nem postos de combustível. Além de todo comércio, muitas famílias perderam a casa toda e o terreno também, sem perspectiva de retorno ou de melhora da situação. Quem não foi atingido tenta ajudar, lavando roupas (tem bairros que ficaram mais de 15 dias sem água e sem luz, e outros que ainda estão sem), doando. Mas essas pessoas, em um futuro breve, serão afetadas pois também precisaram de recursos. E tristeza porque além das vidas perdidas, muitos amigos que levaram a vida toda para construir sua casa, estão sem ter onde morar. Crianças estão sem escolas, famílias inteiras morreram”, lamenta.
Resiliência e movimentos de ajuda
Cruzeiro do Sul, que tem cerca de 12 mil habitantes, foi a cidade “adotada” por Pomerode, que se colocou à disposição para ajudar. Além de um caminhão carregado com donativos, nosso município se dispôs a enviar máquinas e funcionários a fim de ajudar na limpeza e reconstrução da cidade gaúcha.
Além disso, a própria população de Cruzeiro do Sul está se mobilizando, a exemplo de um movimento da Associação Comercial e Industrial de Cruzeiro do Sul, que criou uma conta de uma instituição sem fins lucrativos, para receber doações e também visibilidade. A iniciativa tem como finalidade ajudar o município a repensar o centro da cidade e bairros atingidos.
“Acredito que toda ajuda, seja financeira ou estratégica será bem-vinda, visto que a situação aqui é grave. Minha contribuição para o movimento foi cedendo as imagens que fiz ao longo de 53km onde percorri a pé, e em um trator”, complementa Sofia.
Veja alguns registros feitos pela fotógrafa: