Sentença: Culpado
Maurício Dickmann é condenado a 21 anos de prisão
Passados mais de dois anos e seis meses do falecimento de Simone Vieira Dickmann, o caso foi resolvido nesta quinta-feira, dia 31 de julho.
O Júri Popular do marido da vítima, Maurício Dickmann, estava marcado para iniciar às 9h no Salão de Júri do Fórum de Pomerode. E, pouco depois desse horário, o réu entrou pelo corredor principal da sala, escoltado por dois policiais militares, para definir seu futuro.
Após a definição dos jurados, o Júri estava pronto para ser iniciado. Ainda na manhã de quinta-feira, testemunhas de defesa e também de acusação foram ouvidas, totalizando três. O advogado de Maurício, Jaison da Silva, e o Ministério Público ainda possuíam outras testemunhas, mas abdicaram do direito de utilização.
Desta forma, após ouvida a última testemunha, o recesso foi efetuado. E, às 13h30min, o Júri reiniciou. A leitura da denúncia, bem como dois testemunhos foi realizada logo no início da tarde. Na sequência, Maurício Dickmann respondeu aos questionamentos da Juíza Substituta, Dra. Camila Murara Nicoletti, e aos de seu advogado, Jaison da Silva. No entanto, sobre os questionamentos do Ministério Público, representado pelos Promotores de Justiça Dr. Odair Tramontin e Dra. Márcia Denise Kandler Bittencourt Massaro, o réu utilizou seu direito de permanecer calado e não respondeu a nenhum deles.
Na sequência teve início os debates do Ministério Público e do advogado de defesa. Após a réplica do MP e do advogado Jaison, os jurados deram seu parecer. Assim, considerado culpado por homicídio triplamente qualificado, Maurício teve a pena mínima estipulada em 14 anos. No entanto, com os agravantes de motivo torpe, forma cruel e dissimulada, Maurício foi condenado a 21 anos de prisão em regime inicialmente fechado. Sem esboçar qualquer tipo de reação, Maurício ouviu a sentença dada pela Juíza substituta Dra. Camila Murara Nicoletti, despediu-se da família e voltou ao Presídio Regional de Blumenau ainda na noite de quinta-feira.
Para a mãe da vítima, Úrsula Vieira, o resultado foi positivo e a justiça feita. Eu lamento tudo isso, pois para mim, família é família e eu gostaria que ainda assim o fosse, com a Simone, o Maurício e a Carol aqui juntos. No entanto, se fez o que fez tem que pagar por isso. A Simone não vai voltar com a condenação dele, mas eu espero que ele reflita sobre o que fez. A justiça foi feita e essa tem que ser uma página virada. Estamos felizes com o resultado e com o sentimento de que a justiça foi feita. Não vi nele, em nenhum momento, sensibilidade e estou aliviada que a justiça prevaleceu. Nunca vamos esquecer isso, mas a Carol é da nossa família, é nossa filha agora e precisamos seguir adiante. E por mais que lembraremos para sempre disso, eu penso que se alimentarmos as coisas tristes, também ficaremos tristes. Então levaremos a Simone em nossos corações, lembraremos das coisas boas e daremos continuidade a nossa vida. O que poderia ser feito foi e impune ele não poderia ficar, afirma.
A denúncia – Em um relato que mostrou a escalada criminosa de Maurício Dickmann, enumerando e explicando os golpes aplicados em seguradoras, o Ministério Público efetuou a denúncia contra o mesmo.
A texto contém a seguinte justificativa: (…)com base em tudo isso que esta Promotoria vem ao Juízo para imputar contra o denunciado Maurício a prática do crime de homicídio qualificado contra a esposa Simone Vieira Dickmann. E as qualificadoras existem porque é indiscutível a torpeza que motivou a ação homicida, presente no fato de ceifar a vida da esposa e mãe de sua única filha para satisfazer sua ganância financeira de enriquecer ilicitamente sem se importar com as consequências alheias. Isso sem se falar que agiu com inegável dissimulação ao montar um plano meticuloso para matar a esposa que não tinha como esperar que o pai de sua filha fosse capaz de chegar o extremo de matá-la enquanto estivesse no hospital para tratamento de sintomas provocados pelo próprio acusado, sendo que nas circunstâncias a vítima não pode oferecer qualquer tipo de resistência. Por fim, sustenta esta Promotoria que o meio utilizado foi cruel porque o denunciado se utilizou de expediente reprovável e que causou na vítima angústia e sofrimento desnecessários(…)
Na denúncia consta ainda outros fatos. (…) Além dos desdobramentos fáticos acima relatados e que são suficientes para uma conclusão neste sentido, é importante destacar o seguinte: – apesar da morte ter ocorrido em circunstâncias inexplicadas, o corpo não foi submetido ao IGP e foi liberado para a funerária com uma rapidez assustadora (menos de 1 hora depois já estava na funerária); – o denunciado disse para várias pessoas, que a esposa teria morrido de câncer. Para outras pessoas disse que foi de infarto; – apesar da causa da morte no óbito constar como indeterminada, o resultado do hemograma realizado no sangue colhido da vítima por volta das 12h daquele dia fatal não apresentou qualquer alteração compatível com câncer, sustentando que tem absoluta certeza de que a falecida não teve problema coronário agudo e que os exames clínico não apresentavam qualquer alteração; – a morte dentro do próprio hospital gerou um ambiente perfeito para que o réu não sofresse suspeitas e restrições da seguradora por ocasiões do pagamento do prêmio; – todas as pessoas do círculo de convivência da vítima, notadamente familiares, sustentaram que a mesma gozava de boa saúde, nunca noticiou ser portadora de câncer e que não iria se submeter a cirurgia de lipoaspiração(…).
O depoimento de Maurício – Em seu depoimento, Maurício Dickmann, afirmou ser inocente e que os fatos apontados não eram verdadeiros. O acusado afirmou ainda que conhecia Simone a cerca de 17 anos, na data de seu falecimento.
Sobre os seguros que havia realizado e recebido os valores correspondentes, ele informou a realização do seguro de vida em 2001, quando levou o tiro no braço. Além do seguro à residência em 2004, que recebeu o valor correspondente após sua residência ter sido alvo de furto. Em 2006, Maurício efetuou um novo seguro de vida e disse que na oportunidade recebeu parte do valor, por conta da perda do dedo. Em 2008, um novo seguro, também residencial, no qual recebeu um valor após o incêndio de sua casa. Maurício afirmou não saber qual o valor exato que recebeu com os seguros.
No ano de 2010, quando efetuou a apólice de seguro de vida em nome de Simone, onde era o único beneficiário, ele alegou não ter efetuado um em seu nome também, pois seu CPF apresentava irregularidades, ou seja, estava negativado.
Sobre seu trabalho, o acusado afirmou que na época trabalhava com uma empresa de financiamento, em Jaraguá do Sul.
Sobre o relacionamento do casal, Maurício disse que ambos se davam bem, mas que no ano em questão eles já estavam separados, apenas morando na mesma casa para que a filha do casal, com sete anos na época, não precisasse passar pela separação dos pais.
Referente ao relacionamento extraconjugal, Maurício confirmou que Simone, no início, não sabia do relacionamento, mas que depois descobriu. E, mesmo assim, não se separou.
Entre os meses de agosto e setembro foi firmada a apólice de seguro em nome de Simone, e que a própria vítima solicitou que o valor fosse mais alto para que, caso algo acontecesse, pudesse sobreviver com o dinheiro e que apólice seria uma espécie de garantia.
Pelo fato de ter escolhido o marido para ser seu beneficiário, Maurício explicou que pela filha ainda ser pequena na época, seria difícil administrar o valor. E, completou afirmando que o amor esfriou, mas que o respeito sempre permaneceu.
Sobre a realização de uma cirurgia plástica, Maurício disse que Simone gostaria de realizá-la por conta da separação e que o acordado era de que ele pagasse o procedimento e ela ficaria incumbida de efetuar os devidos agendamentos.
O acusado disse ainda que conheceu a vítima depressiva, que ela possuía pouco contato com a família e que passava mal sempre alegando que o coração ia sair do peito.
Maurício não soube precisar a data em que Simone realizaria o procedimento cirúrgico, pois não policiava suas ações e também ficou surpreso ao descobrir que não tinha nada agendado.
Algumas testemunhas alegaram em seus depoimentos que Maurício havia dado diferentes causas para a morte da esposa, tais como infarto fulminante e câncer. O acusado disse então que a vítima já havia passado por uma cirurgia a retirar um câncer benigno do útero e que quando a questionava sobre seus mal estares, ela afirmava ser a mesma coisa de antes e por isso deduzia se tratar de um câncer.
Quando Simone foi internada na sexta-feira, dois dias antes de seu falecimento, Maurício confirmou que levava alimentos e bebidas para a esposa no hospital e que essa era uma prática comum, uma vez que não havia restrições em sua dieta.
Sobre o domingo em que a vítima faleceu, Maurício disse que Simone passou mal após receber alta e que, após muito solicitado por ele, um exame foi efetuado. Quando a vítima veio a óbito, o réu afirma que cobrava explicações, que foi sedado e que, então, só se lembra de estar no funeral. O réu afirmou ainda que a liberação do corpo foi efetuada por seus familiares.
A acusação – O Ministério Público, neste caso, estava convicto da elaboração e execução da morte de Simone Vieira Dickmann por parte de seu marido Maurício. Mesmo assim, o órgão afirmou que o julgamento seria bastante difícil uma vez que não há provas concretas, ou seja, imagens, do envenenamento por parte de Maurício. No entanto, todas as provas e evidências levam ao acusado como idealizador do ato.
Diante disso, o promotor de justiça, Dr. Odair Tramontin, efetuou a leitura de alguns depoimentos, frisou fatos e enalteceu que a morte de Simone era para ocorrer sem levantar qualquer suspeitas.
No entanto, a vítima faleceu de forma cruel e dolorida, onde teria recebido a dose fatal do veneno no dia de sua alta.
O promotor também lembrou da trajetória de golpes efetuados pelo acusado a seguradas e que este seria o golpe em que não mais se prejudicaria, mas acabaria com a vida de outra pessoa, a mãe de sua única esposa.
A acusação também relembrou das exumações que foram efetuadas no corpo de Simone e que, na segunda delas, pode ser confirmada a presença do pesticida denominado furadão em seu corpo, comprovando o envenenamento.
O promotor alegou ainda que Maurício seria a única pessoa interessada na morte de Simone, que era massoterapeuta na cidade e não possuía inimigos declarados.
O Ministério Público denunciou Maurício por homicídio triplamente qualificado, sendo as qualificadoras motivo torpe, modo cruel e dissimulado. Assim o promotor explicou que o motivo torpe enquadra-se no fato do acusado ter interesse mercenário, único e exclusivamente por dinheiro. Cruel pelo fato de ter utilizado veneno, ocasionando dor e sofrimento à vítima. E, por último, dissimulado devido ao fato da vítima não poder oferecer qualquer tipo de resistência.
A defesa – O advogado de Maurício Dickmann, Jaison da Silva, iniciou a defesa do acusado mostrando a Bíblia, alegando que do juízo de Deus ninguém escapa. E, desta forma, solicitou aos jurados que pensassem em suas decisões para que nenhum deles dormisse com a consciência pesada após o resultado do júri.
Jaison afirmou ainda que probabilidade não é certeza e que, desta forma, quando não se há certeza da execução de um crime o acusado deve ser libertado.
Entre os pontos levantados, o advogado afirmou que arritmia e labirintite apresentam os mesmos sintomas de envenenamento e que, desta forma, Simone, que deu entrada no hospital com sintomas de labirintite, poderia ter sido envenenada dentro da entidade e não há meses como o MP havia questionado.
O advogado afirmou ainda que, dos produtos apreendidos na residência de Maurício, nenhum dos venenos correspondia ao encontrado no corpo de Simone. E, além disso, em seu computador não foi encontrado nenhum tipo de pesquisa ou evidência de buscas sobre morte por envenenamento.
Partes de depoimentos de algumas testemunhas foram lidos e outros, inclusive de familiares, foram questionados pelo advogado que alegou haver desacordos.
Sobre a saúde de Simone, Jaison mostrou o histórico de entradas no hospital que a vítima possuía, alegando que a saúde perfeita não era tão perfeita assim.
Jaison apontou ainda hipóteses como suicídio da vítima e questões a ser questionadas como a pressa na liberação do corpo.
O advogado finalizou a defesa de Maurício mostrando um vídeo sobre uma reportagem transmitida em rede nacional que enaltecia o caso de dois brasileiros que haviam sido presos injustamente e depois liberados, mas que, mesmo assim, haviam perdido parte de suas vidas no presídio.
O resultado – Os sete jurados votaram os quesitos referentes a cada um dos delitos pronunciados, atinentes à materialidade, autoria, absolvição, circunstâncias qualificadoras, sendo neste momento cessado a incomunicabilidade dos jurados.
Os jurados votaram favoráveis ao reconhecimento da materialidade do fato, da autoria, pela qualificadora do motivo torpe, da qualificadora do meio cruel e da qualificadora consistente na prática do crime mediante dissimulação.
Em face do resultado da votação dos quesitos, a Juíza passou a elaborar a sentença, cuja parte dispositiva foi a seguinte: (…)Ante o exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Maurício Dickmann ao cumprimento de 21 (vinte e um) anos de reclusão em regime inicialmente fechado, por infração art. 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal. Mantenho a prisão preventiva do réu(…).
A pena-base foi estipulada em 14 anos de reclusão, acrescida de dois anos e quatro meses em razão de ter sido praticado contra cônjuge. O motivo torpe foi utilizado para qualificar o delito. As demais, meio cruel e dissimulação, são consideradas como agravantes genéricas. Por este motivo, o acréscimo de quatro anos e oito meses pelas duas agravantes.
Sem atenuantes, nem causas de especial aumento ou diminuição da pena. A juíza fixou a pena definitiva em 21 anos de reclusão em regime, inicialmente, fechado.
O caso – Desde a segunda quinzena do mês de janeiro de 2011, a Polícia Civil de Pomerode, iniciou, através de denúncias de uma seguradora, a investigação da morte de Simone Vieira Dickmann, de 35 anos, na época.
Segundo as investigações, Maurício é o suspeito de ter matado Simone para ficar com o dinheiro de um seguro de vida no nome da esposa no valor de R$500 mil.
Durante as investigações da polícia, contudo, descobriu-se que o crime podia não ser o único, e que Maurício Dickmann, 39 anos, já teria realizado outros golpes com o intuito de ficar com o valor do seguro.
Em 2001, ele recebeu R$107.000,00, após ser supostamente, vítima de um disparo de arma de fogo. No entanto, segundo uma testemunha ouvida no processo, o disparo foi provocado em uma ação articulada pelo próprio denunciado com o objetivo de receber a indenização do seguro.
Em 2004 o valor recebido foi de R$7.000,00 após um furto em sua residência, onde alguns objetos foram roubados. No entanto, um deles, um rifle semiautomático 40/44, foi posteriormente encontrado comprovando que o golpe consistia em simular um arrombamento e esconder as mercadorias anunciadas como furtadas por ocasião da vistoria da seguradora.
Após ter serrado o próprio um dedo com a utilização de uma serra elétrica, no ano de 2006, Maurício recebeu a quantia de R$229.140,00. E, em 2008, contratou novo seguro de residência e, posteriormente, comunicou a ocorrência de incêndio na própria casa, tendo recebido como indenização o valor de R$ 91.358,00.
Com tais conclusões, foi solicitada a prisão temporária do acusado e encaminhado o inquérito oficial para a juíza da comarca de Pomerode.
Esses crimes foram o começo de um, agora julgado, que o condenou pela morte de sua esposa, Simone.
No dia 19 de novembro de 2010, por volta das 14h, Maurício levou a esposa para o Hospital e Maternidade Rio do Testo e desta vez foi determinada sua internação. No dia 21 de novembro, na primeira avaliação matutina, observou-se que o estado clínico era normal e que Simone teria dormido o tempo todo, tendo o médico responsável feito visita por volta das 8h e concedido alta para a paciente ir para sua residência, alta que posteriormente foi suspensa quando o médico José Vaca foi informado por telefone que depois que saiu do hospital a paciente teria passado mal no banheiro.
Ao saber da alta médica a paciente se aprontou para ir para casa e falava normalmente ao telefone com sua filha. Contudo, logo depois que Maurício apareceu no quarto para buscá-la, misteriosamente Simone foi ao banheiro e lá começou a passar mal.
Em setembro de 2010, Maurício havia feito um seguro no valor de R$500.000,00 para a mulher. Quando a morte aconteceu, pouco tempo depois, levantou suspeita da seguradora. A seguradora chegou a oferecer um seguro mais baixo, mas ele insistiu no valor maior, e isso também causou estranheza.
No dia de seu falecimento não foi feita a autópsia de Simone, e por conta disso seu corpo foi exumado, em duas oportunidades.