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Quem nunca reclamou que atire a primeira pedra

Iniciamos outra série no Jornal de Pomerode. Desta vez, os integrantes da equipe foram desafiados a deixar um de seus
hábitos de lado por uma semana inteira. O objetivo é descrever as experiências e refletir sobre nós mesmos. Se somos
capazes de ter o cuidado de deixar de fazer algo tão automático em nossas vidas, por que não podemos reaver nossos
costumes como um todo?

3 de março de 2015

Iniciamos outra série no Jornal de Pomerode. Desta vez, os integrantes da equipe foram desafiados a deixar um de seus hábitos de lado por uma semana inteira. O objetivo é descrever as experiências e refletir sobre nós mesmos. Se somos capazes de ter o cuidado de deixar de fazer algo tão automático em nossas vidas, por que não podemos reaver nossos costumes como um todo? 

Confesso que não dei muita importância quando fui desafiada a permanecer por uma semana sem reclamar de nada. O pensamento inicial foi de “isso vai ser fácil”, afinal eram apenas sete dias e não me custaria nada ignorar as adversidades da vida, em benefício de tonar impressas as palavras escritas neste artigo. Isso, muito embora o cumprimento do meu desafio tenha sido desacreditado pelo resto da equipe quando aceitei participar.

Todo mundo reclama, uns mais outros menos. Devo ressaltar que não estou inventando a roda. Outras pessoas já se propuseram a ficar tempo igual, menor ou maior, sem fazer uma mínima queixa sobre a vida e até achei interessante ler tais relatos. Ocorre que eu nasci reclamando, em uma família que vive reclamando e por que eu não seria contemplada com esse hábito? É possível renegar o próprio instinto? E não deu outra. A “partida” não estava nem no segundo minuto do primeiro tempo e lá estava eu suspirando com pesar pelo surgimento de uma tarefa inesperada, cuja qual, em nome da boa educação eu não poderia recusar. Ninguém percebeu (espero), mas eu reclamei pelo nariz. E notei que não é apenas pelas palavras que se é possível reclamar.

Se todo mundo reclama, então passei a me questionar sobre o que pode ser considerado uma reclamação de gente normal ou de gente chata. Dizer que o tempo está sufocantemente quente é reclamar ou dizer a verdade? E resmungar por causa da dor nas costas que não dá uma trégua nem mesmo nas mais mirabolantes posições dos monges tibetanos? Ou então esbravejar contra o incompetente do motorista que fechou a minha frente quase causando um acidente (que poderia ter sido gravíssimo), ou quando a chave de casa que “resolveu” encostar na minha unha recém pintada de vermelho pura luxúria? Seria melhor não contar isso para ninguém?

Por diversas vezes eu só me lembrava que não podia reclamar quando já estava reclamando. Reclamação boba, que ninguém nem presta atenção. Então novamente tentei buscar explicações internas, cheguei a conclusão que não é por nada, nem mesmo por mal. Nada além de um hábito que as pessoas têm. Um hábito que eu, modéstia a parte, consegui superar, quando passei a levar o exercício a sério.

Reclamar é chato. Quem reclama é chato, pois externa aquilo que de alguma forma o está incomodando, mas esse incômodo só interessa ao chato. Lembrei de uma vez que encontrei um artista de rua, em frente a um casarão da Avenida Paulista cantando uma música que dizia assim “Deus nos proteja das pessoas chatas, chatas” e me lembrei que por um tempo fiquei com essa música na cabeça e ela sempre me remetia a uma pessoa que eu considerava chata. Espero que ninguém que tenha escutado essa música, tenha ficado comigo na cabeça.

De toda experiência fica uma lição, e desta, ficou a reflexão de que nem sempre reclamar é sinônimo de chatice, mas é importante que exista um meio termo. Não há nenhum mal em dar uma queixadinha, por exemplo, das 488 picadas de mariuns por segundo, que acontecem nas épocas quentes em Pomerode, mas sem abuso. Se até o maluco beleza Raul Seixas fez uma música reclamando de tudo, porque nós não poderíamos? 

E quer saber de uma coisa? Se é verdade que a palavra tem força e atraímos aquilo que falamos, tenho que admitir que ter proferido palavras cuidadosas fiz da minha semana um pouco melhor. E só para concluir, esse foi um interessante exercício que me fez prestar atenção redobrada a todos os fonemas proferidos, por mim, em voz alta. Não digo que nunca mais vou reclamar de nada, mas vou pensar duas vezes antes de fazê-lo.

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