Atenção às telas: como o uso excessivo pode afetar o desenvolvimento cognitivo
Psicóloga e coordenadora técnica da Apae de Pomerode explica malefícios ao se ficar muito tempo em frente às telas
Foto: Envato Elements
Celulares, computadores, tablets e outros dispositivos eletrônicos já fazem parte do nosso cotidiano. Basta observar nos estabelecimentos ou eventos, que não vai demorar a aparecer alguém usando o celular ou tablet. Inclusive, muitas crianças têm nos dispositivos eletrônicos uma forma de distração para momentos em que precisam esperar.
No entanto, o que deveria ser apenas um entretenimento inofensivo, pode se tornar um vilão do desenvolvimento cognitivo, caso seja utilizado em excesso. A psicóloga e coordenadora técnica da Apae de Pomerode, Heloísa Helena da Silva, explica que, como tudo o que é em excesso é prejudicial, de certa forma e o uso de telas em excesso também entra nesta definição.
“Temos acompanhado diversos estudos que apontam que o uso excessivo das telas acaba contribuindo para um atraso cognitivo, atraso de linguagem, principalmente na primeira infância, que é a mais importante da criança, levando em conta a organização estrutural e a placidade cerebral, além de outros fatores que podem ser prejudicados”, explica a psicóloga.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou em 2016 um boletim com recomendações para profissionais, pais e jovens apoiado em diferentes estudos científicos que comprovam que a tecnologia influencia comportamentos, modifica hábitos desde a infância, repercutindo na saúde dos indivíduos.
Segundo dados da pesquisa TIC KIDS ONLINE BRASIL 2019 (Pesquisa sobre o Uso da Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil), em 2019, 89% da população entre 9 e 17 anos era usuária de Internet, o que corresponde a cerca de 24 milhões de crianças e adolescentes, dos quais, 95% tinham no telefone celular o dispositivo de acesso à rede.
A última pesquisa TIC Kids Online, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, apontou que em 2022, 92% da população com idade entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no país, sendo o celular o dispositivo mais usado por crianças e adolescentes.
Segundo a psicóloga, o tempo excessivo em frente às telas, pode provocar diversos problemas, com destaque para alterações e distúrbios de sono, de alimentação, aumenta a irritabilidade, há uma dificuldade do gerenciamento das próprias emoções, de resolução de problemas.
“As telas também trazem soluções muito rápidas e automáticas, muitas vezes fazendo com que seja desnecessário buscar, procurar, esperar ou fazer uma elaboração para obter respostas, pois as coisas acontecem de forma muito simples. Nestes casos, a criança, principalmente, acaba não tendo a estimulação necessária para fazer o raciocínio lógico, para desenvolver habilidades que são importantes em nível cerebral. Isso contribui para o aumento do déficit de atenção, além de influenciar diretamente no QI”, esclarece Heloísa.
De acordo com a especialista, o QI de uma pessoa vai naturalmente diminuindo conforme o tempo vai passando. No entanto, quando um indivíduo fica muito tempo exposto às telas, é possível que o QI diminua antes do tempo previsto. Isso porque, segundo Heloísa, não há estimulação por meio de atividades que ajudam a desenvolver competências importantes para o nosso cérebro.
As crianças que passam muito tempo em frente às telas, podem ter problemas como atraso cognitivo, atraso de linguagem, alteração do sono, alteração de alimentação, sedentarismo, pois se troca uma atividade física pelo uso da tela, prejuízos nas questões posturais, possível atraso no desenvolvimento de habilidades motoras, aumento da impulsividade, déficit de atenção, diminuição do QI antes do tempo, dificuldade de gerenciamento das emoções, por exemplo.
“Hoje, o que percebemos é que, cada vez mais cedo, as crianças estão sendo expostas aos recursos tecnológicos e, por consequência, às telas, seja por organização familiar, por ser mais fácil. Sabemos que os pais trabalham e quando chegam em casa tem seus afazeres, então acabam terceirizando a responsabilidade de estar com as crianças, distraí-las, para as telas, o que acaba sendo prejudicial”, pondera.
Prejuízo potencializado para a pessoa com deficiência
Os malefícios do uso excessivo de telas também para as pessoas com deficiência têm sido observados pela equipe da Apae de Pomerode, já que eles podem ocorrer com mais intensidade, quando se pensa em uma pessoa com alguma deficiência ou transtorno, como é o caso do autismo.
“Quando falamos em pessoa com deficiência, todos estes prejuízos elencados são maiores ainda, pois o trabalho de estimulação que precisa ser feito é maior, a fim de que ele consiga desenvolver habilidades para tentar chegar ao nível do seu par. E quando a pessoa com deficiência fica muito tempo em frente às telas, dificulta mais ainda o trabalho de estimulação, e é algo que temos percebido na nossa realidade”, destaca Heloísa.
Um dos aspectos que pode sofrer um déficit em decorrência do uso excessivo das telas é a socialização. Isso porque, ao estar utilizando um dispositivo eletrônico e a internet, a pessoa está inserida em um mundo virtual, que, muitas vezes, não exige interação e contato com o outro.
Dentro do autismo, por exemplo, no qual a socialização já é uma inabilidade, Heloísa explica que, se o autista tiver muito tempo de uso de telas em sua rotina, terá cada vez mais dificuldade em desenvolver esta habilidade.
Além disso, também sofre prejuízos a habilidade de uma criança ou jovem resolver problemas ou conflitos, pois em um jogo, por exemplo, caso não seja possível passar de fase ou se esteja tendo um desempenho ruim, pode-se simplesmente fechar o jogo e procurar outra coisa para se entreter, sem resolver o problema encontrado.
Por estes motivos, a atenção ao possível uso excessivo de telas cresceu por parte das instituições, e também na Apae de Pomerode, que buscou conhecimento sobre o tema, a fim de alertar as famílias dos alunos, bem como a sociedade de forma geral, para que se tenha a moderação no contato com tais dispositivos.
“Sempre estamos em constante estudos e atualizações, buscando novas informações, assim como também observamos esta questão no nosso dia a dia. Em alguns casos, se percebermos alguns sinais, na conversa com as famílias, descobrimos que alguns alunos acabam ficando muito tempo em frente às telas. A partir daí, alertamos à família sobre os prejuízos que podem aparecer, e como isso dificulta o trabalho realizado na Apae. Desta forma, temos uma conversa mais assertiva, e a família consegue estender um pouco do que é feito pelos profissionais na Apae”, enaltece a psicóloga e coordenadora técnica.
Inclusive, a especialista faz um outro alerta. Estudos recentes afirmam que o uso excessivo de telas pode provocar prejuízos no desenvolvimento cognitivo para crianças que não teriam nenhuma questão de dificuldade cognitiva ou mesmo deficiência intelectual.
Por isso, o diálogo com a sociedade como um todo é fundamental, para que cada vez mais haja a consciência por parte dos pais para com seus filhos e também para consigo mesmos. E a psicóloga da Apae frisa que o mais importante é buscar orientação sobre o assunto.
“Nós aconselhamos que o uso de telas, principalmente na primeira infância, seja o mínimo possível. Sabemos que, pela rotina, algumas vezes estes dispositivos são usados, mas a recomendação é que seja o mínimo. Caso seja uma criança que gosta de assistir algum desenho, cuja recomendação é que sejam educativos, que assista um ou dois episódios, que vá brincar, fazer outras atividades, e mais tarde assista mais um episódio, para assim estimular o desenvolvimento”, enaltece.
Outro ponto que merece atenção, é o fato de que a atenção não deve ser somente com as crianças e adolescentes. Os adultos também precisam se atentar ao uso das telas, que pode provocar danos também na fase adulta.
“Falamos de desenvolvimento infantil, mas que vai impactar ao longa da vida, e os mesmos prejuízos que afetam as crianças, vão afetar jovens e adultos. É importante que as pessoas tenham conhecimento do quanto este excesso de telas é prejudicial, para assim mudar hábitos e diminuir os impactos”, afirma Heloísa.
A diretora da Apae, Daniela Heineberg, complementa a importância da discussão sobre o assunto, afirmando que a Apae está engajada na proposta de dialogar com a sociedade sobre temas relacionados à educação, de forma geral.
“Estas discussões com a sociedade, como referente ao uso de telas, são de extrema importância, pois todo o processo em educação é construído através de reflexão, através de indagações e até divergências. Embora a gente precise caminhar com a tecnologia, pois as telas estão na nossa realidade, e não estamos dizendo que não podem ser usadas de forma alguma, nossa fala é sobre conseguir ter um equilíbrio, que é o ponto principal”, pondera Daniela.
Pensando em promover este tipo de diálogo, a Apae de Pomerode possui, hoje, o grupo Acolher e Cuidar, no qual são feitos debates como este acerca do excesso de uso de telas, onde as questões são trabalhadas e que são abertas para um diálogo. Além disso, em breve a instituição terá um projeto de instrumentalização dos pais dos alunos da instituição, para que eles possam auxiliar na estimulação, principalmente dos mais novos, a fim de prosseguir com as terapias em casa.
A principal meta da Apae, com tais ações, é dialogar cada vez mais com a sociedade, a fim de contribuir com conhecimento e informação.
“Só é possível desconstruir ou ressignificar alguns conceitos e hábitos por meio da informação. É preciso conversar sobre estes temas e adequar para a realidade de cada família, entendendo a dinâmica e ajudando a mostrar que é possível fazer de uma forma diferente”, enaltece Daniela.
A Apae Pomerode
Hoje, a Apae de Pomerode conta com 336 usuários, sendo que 160 fazem parte de programas educacionais, que são subsidiados pelo estado. Os demais têm acesso aos serviços da Apae em algum nível, assistencial ou saúde.
A equipe conta com 37 funcionários, incluindo professores, cedidos pelo estado, equipe de apoio com merendeiras e motoristas, além de neuropediatra, psiquiatra, assistente social, psicóloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicopedagoga, arte terapeuta, e equipe administrativa.
Hoje, analisando a questão da estrutura, segundo a diretora da instituição, a Apae de Pomerode está entre as 10 melhores do estado, é referência pela estrutura da instituição, e pelos serviços oferecidos, que são inovadores.
“Temos diretorias que sempre pensaram no futuro, com construção e planejamento que visam metas a longo prazo, o que nos deixa sempre à frente. A gestão da Apae de Pomerode sempre pensou em como será no futuro, o que traz uma mentalidade de crescimento. Da mesma forma, nossa equipe está na busca constante por mais conhecimento e aperfeiçoamento, acompanhando a medicina e estudos sobre o tema. Cada vez mais se discute sobre autismo, sobre deficiência intelectual, sobre educação especial e pessoa com deficiência”, elenca Daniela.
A Apae de Pomerode também investe constantemente em capacitação e, ao menos uma vez a cada mês, a equipe para, como o objetivo de se capacitar, por meio de estudos sobre temas relacionados à causa.
“Estamos o tempo todo nos reciclando, buscando biografias e especialistas, sempre nos revendo, e também buscando abrir a Apae para as tecnologias, de uma forma responsável e consciente, bem como para outros conceitos e outras formas de terapia. Da mesma forma, eu acredito que há um crescimento no número de usuários da Apae também pelo acesso à informação. Pessoas com deficiência sempre estiveram em nosso meio e a informação nos dá suporte para reconhece-los na sociedade. A informação é essencial, pois, com ela, conseguimos visualizar e dar o encaminhamento correto para esta pessoa com deficiência”, finaliza a diretora da instituição.