Cultura

Um símbolo de Pomerode, que se tornou memória

Há cerca de 60 anos, o Hotel Oásis, considerado um recanto de luxo do Sul do Brasil, encerrava sua história de glamour em Pomerode

20 de dezembro de 2024

Foto: Acervo particular Sibile Grützmacher

A “Quitandinha do Sul”. Assim era chamado, durante a década de 50, o extinto Hotel Oásis, de Pomerode, que já foi considerado um retiro da alta sociedade catarinense, mas que hoje existe apenas na memória e no imaginário da comunidade pomerodense.

Segundo uma reportagem do jornal “O Estado”, de 1978, e conforme o livro “Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis”, da jornalista Bettina Riffel, o saudoso Hotel Oásis foi inaugurado oficialmente em 1º de dezembro de 1950. No entanto, sua história, embora repleta de glória e glamour, pode ser considerada curta, já que o empreendimento fechou suas portas entre os anos de 1963 e 1964.

O idealizador do famoso “castelinho”, relembrado hoje apenas por meio de fotografias antigas, foi o alemão Hermann Gerhmann, nascido em 26 de julho de 1902. Ele veio para o Brasil na década de 1920, acompanhado dos irmãos Heinrich e Bertha, conforme a pesquisa histórica de Bettina Riffel, para o livro.

Em 1925, Gehrmann se casou com Ida Rosthal, com quem administrou o Hotel Oásis. “Amante dos bons buffets, obras de arte e colecionador de glamour, Gehrmann viajou o mundo sozinho e participou de edições consecutivas de festas de Carnaval no Palácio Quitandinha, no Rio de Janeiro. De lá, trouxe inspiração para suas festas de luxo no Hotel Oásis” (RIFFEL, Bettina. Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis. Itajaí. Nova Letra Gráfica & Editora, 2008).

Além das festas, todo o interior do Hotel Oásis foi inspirado naquele que era o maior cassino da América Latina, na época, o Palácio Quitandinha. “O estilo da construção era único na cidade, eclético. Quem observa as imagens que registram a fachada e os jardins tem a impressão de que o seu interior guardava formas luxuosas e aconchegantes. Dá vontade de entrar. Suas dimensões parecem alongar com o predomínio da horizontalidade e sua imponência é reforçada com torres laterais que lembram castelos. Um castelinho daqueles que remetem para contos de fada e que se perdeu com o progresso” (RIFFEL, Bettina. Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis. Itajaí. Nova Letra Gráfica & Editora, 2008).

Foto: Acervo particular Sibile Grützmacher

O Hotel Oásis também ficou famoso pelas luxuosas festas, exclusivas para convidados, com orquestras internacionais, buffets com muitas opções e bebidas da mais alta qualidade. Entre os grupos que se apresentaram estão o “Cassino de Sevilha”,”Los Guarachos”, “Suspiros da Espanha” e a “Orquestra de Valsa de Viena”. O local também realizava eventos temáticos, com todos os preparativos relacionados a este tema, incluindo decoração, vestimentas, cardápio e a música. Um exemplo de destaque eram os bailes de carnaval.

Além do glamour e do luxo em cada uma das festas, o Hotel Oásis também foi um local em que a arte ficava em evidência. Diversos artistas plásticos tinham trabalhos expostos no Oásis, incluindo pinturas, arabescos e estátuas. Por exemplo, no salão de festas do local havia colunas esculpidas com figuras da mitologia grega, obras de Erwin Curt Teichmann. Muitas destas obras se perderam com o fechamento, abandono e posterior demolição do local, mas as sete esculturas foram salvas e seguem até hoje em Pomerode, sendo algumas exibidas no Teatro Municipal da cidade.

Outro ponto que reforça o quanto o Hotel Oásis foi representativo em âmbito nacional, foram as visitas ilustres que o empreendimento recebeu. Quando ainda era candidato, Jânio Quadros esteve no Oásis; Getúlio Vargas, na companhia de Irineu Bornhausen, também conheceu a famosa “Quitandinha do Sul”. Inclusive, Irineu se tornou um admirador e frequentador do Oásis, escolhido pelo ex-governador de Santa Catarina para os momentos em que desejava relaxar e também para a realização da festa de Bodas de Prata de seu casamento com Marieta Konder Bornhausen, em fevereiro de 1953.

O declínio do Hotel Oásis, segundo o livro “Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis”, começou a partir do momento em que Ida, esposa de Gehrmann faleceu, em 1963. “Era ela quem cuidava das finanças. Pode-se dizer que Ida tentava manter as rédeas da situação. Mas, nem sempre com êxito. Esbanjador e cheio de manias, o alemão fazia questão de produtos e serviços caros. Primava pelo bom atendimento. Assim como gostava de ser atendido em suas viagens pelo mundo, tratava seus clientes no hotel em Pomerode. Defendia a ideia de que sem investimento não existe bom serviço. Quando o hotel fechou, andou sem rumo. Morou aqui e ali. De favor na casa de parentes e amigos. Não tinha mais nada” (RIFFEL, Bettina. Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis. Itajaí. Nova Letra Gráfica & Editora, 2008).

Foto: Acervo particular Henrique Drews Filho

Após o fechamento do Hotel Oásis, houve algumas movimentações para que ele fosse restaurado e reaberto. O terreno havia sido adquirido por cidadão alemão e a administração municipal chegou a comprar o local.

“A proposta de restaurar as ruínas e transforma-las novamente num empreendimento hoteleiro foi enviada à Alemanha para o então proprietário do imóvel, Kurt Teubner. Longe do Brasil, o berlinense aceitou vender o terreno à prefeitura. De posse do patrimônio em 1979, o governo municipal daquela época pretendia restaurar o Hotel Oásis com recursos da iniciativa privada através de um comodato, ou seja, a partir da reunião de empresas da cidade. Se mantido, hoje, o Hotel Oásis seria considerado patrimônio histórico”, (RIFFEL, Bettina. Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis. Itajaí. Nova Letra Gráfica & Editora, 2008).

No entanto, a ideia não teve sequência e, depois de um tempo, o local foi novamente vendido e as ruínas do Hotel demolidas. Hoje, no ponto onde ficava o saudoso Hotel Oásis, não há mais vestígios visíveis do empreendimento de luxo.

A jornalista Bettina Riffel, que registrou a história do Hotel Oásis em seu livro, fruto do projeto do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em jornalismo, compartilha um fato curioso, que chamou a sua atenção e que é pouco falado, atualmente. “O túmulo de Hermann Gehrmann, que ele mandou fazer em Pomerode, para quando morresse, continua vazio até hoje. Ele mandou fazer um túmulo duplo, para ele a esposa, que faleceu na década de 1960. Mas Gehrmann morreu apenas na década de 1980 e, quando ele morreu, em Pirabeiraba, onde morava em um ancionato, eles o enterraram por lá mesmo, porque não sabiam da existência do túmulo ‘pronto esperando por ele’ no cemitério em frente ao Colégio Sinodal Doutor Blumenau”, comenta.

Para Bettina, a experiência de registrar as histórias relacionadas ao Hotel Oásis foi gratificante e especial. A jornalista afirma, ainda, que viveria somente registrando histórias contadas pelo povo. “Se eu pudesse viver, financeiramente, só de escrever livros baseados na história oral, fazendo entrevistas e ouvindo as histórias das pessoas, eu faria disso a minha profissão. Mas quem vai pagar para escrever um livro tão rico e detalhado em informações como este e tantos outros que já foram publicados sobre histórias de Pomerode?”, questiona.

Foto: Acervo particular Ilone Letzner Gehrmann

O resgate das esculturas

Rubens Radke, professor de educação física, foi quem retirou as esculturas das ruínas do Hotel Oásis. Como vários outros adolescentes e crianças, ele lembra de passar sempre em frente à estrutura abandonada do antigo Hotel, a caminho da escola. “Na volta, geralmente, nós entrávamos para brincar lá dentro. Então, aquilo ficou eternizado em nossa memória e, com o passar o tempo, víamos a estrutura se deteriorar mais, caindo mais partes do telhado. Mas eu me lembro que praticamente todos os dias, na volta da escola, nós brincávamos nas ruínas do Hotel Oásis”, conta. Como o antigo empreendimento fazia parte da infância de Radke, toda a estrutura passou a ter um significado maior em sua vida. Após retornar de um período morando na Bahia, o professor aposentado revela que expandiu sua visão sobre o mundo e perceber o valor do resgate destas memórias, do nosso povo.

“Passei a ter mais curiosidade sobre como estava o Hotel Oásis, por isso fui até lá de novo e vi o quanto a estrutura estava ainda mais deteriorada. Fui conversar com o então prefeito de Pomerode, na época Henrique Drews Filho, que tentou fazer uma restauração, mas como não foi possível, acabou vendendo a propriedade. Conversei também com o novo proprietário, que revelou que seria tudo demolido. Como nada seria resgatado, a princípio, perguntei se eu poderia retirar algumas coisas de lá de dentro. Isso foi em um sábado pela manhã e o novo proprietário me disse que, se eu realmente quisesse retirar algo, precisaria fazer no dia seguinte”, relembra.

O grande desafio era, então, fazer isso de um dia para o outro. Correndo contra o tempo, Radke e sua ex-esposa, foram conversar com Zeno Sell, pois precisavam de um guincho, para poder erguer e retirar as esculturas, que eram os objetos de maior interesse. O responsável pelo guincho aceitou e, junto de alguns amigos, Radke esteve no terreno onde ficava o Oásis, para retirar as esculturas.

Rubens Radke foi quem resgatou as esculturas do antigo Hotel Oásis (Foto: Isadora Brehmer/JP)

“Felizmente conseguimos resgatá-las a tempo, antes de tudo vir a baixo. No entanto, só conseguimos salvar as esculturas, mesmo. Até foi engraçado, porque elas estavam já caídas, debaixo de escombros, então era necessário fazer uma remoção meio manual e, no começo, tínhamos achado só cinco. Mas alguém nos avisou que havia mais, então voltamos a procurar, achando mais duas. Pelo que vi em fotos, elas eram os pilares de sustentação de um palco, onde as bandas se apresentavam. Havia um arco e as duas esculturas de sereias ficavam em cada canto. Ao todo, conseguimos resgatar as sete esculturas: de Baco, Vênus, Cupido, duas serpentes e duas sereias”.

Na época em que as esculturas foram resgatadas, elas ficaram na residência do irmão de Rubens, onde ele também morava. Alguns anos depois, ele se mudou para Blumenau e levou as esculturas consigo e elas ficaram no jardim, formando um paisagismo.

Em um determinado momento, Radke teve uma necessidade financeira e, como ele sabia que o empresário Wander Weege era fã do artista Erwin Curt Teichmann, negociou as esculturas com ele, até pelo conhecimento de que o empresário tinha o desejo de doar novamente as esculturas a Pomerode, para que ficassem na cidade. Elas foram restauradas pelo filho do escultor, Hermann Teichmann. Hoje, as esculturas fazem parte da decoração do Teatro Municipal de Pomerode.

Paralelo à restauração das esculturas, Rubens também conversou com pessoas que trabalharam no Hotel Oásis, hoje já falecidas. “Se falava muito nas festas de carnaval que eram realizadas lá, nos eventos temáticos, que tinham uma decoração específica. Lembro que havia afrescos com pinturas na parte superior das paredes, que eram maravilhosas. Não me lembro quem era o artista, mas eram lindas de se ver. Eu me orgulho de ter resgatado estas esculturas, pois apesar de ser jovem, já consegui perceber que eram uma parte importante da história e com um grande valor cultural. Era para ser, pois deu tudo certo com o resgate delas e hoje é uma emoção vê-las expostas no Teatro, pois de certa forma elas fizeram também parte da minha história, já que ficaram quase 30 anos comigo”, finaliza Rubens.

Para quem desejar ler a história completa do Hotel Oásis, o livro “Oasis Erinnerungen – Lembranças do Oásis”, da jornalista Bettina Riffel, está disponível na Biblioteca Municipal de Pomerode.

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