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12 meses de uma batalha diária

Um ano após o primeiro caso de Covid-19 ser registrado em Pomerode, a doença continua assustando e moldando a rotina dos pomerodenses

20 de março de 2021

1º de dezembro de 2019: o mundo registrava o primeiro caso do novo coronavírus, na época ainda classificado como um “vírus desconhecido”, em Wuhan, na China. Fechamos o ano de 2019 e começamos 2020 ainda acreditando que esta era apenas uma preocupação da China, mas não demorou para que o vírus se espalhasse pelo mundo e chegasse ao Brasil, em 26 de fevereiro, quando o primeiro caso de contaminação foi confirmado, em São Paulo.

Foram necessários mais dois meses, praticamente, para que a Covid-19 chegasse, também, a nossa cidade. Há um ano, em 20 de março de 2020, a cidade confirmava o primeiro caso da doença, em um pomerodense que havia voltado de uma viagem aos Emirados Árabes Unidos. Um fato que parecia distante, fora da nossa realidade, virou a rotina de todos de cabeça para baixo e provocou mudanças que perduram até este momento, no qual, infelizmente, enfrentamos o pior cenário da pandemia, desde seu início.

Três dias antes de Pomerode confirmar o primeiro caso, o Governo de Santa Catarina decretou Estado de Emergência em todo o território catarinense. A partir de então, diversas medidas para diminuir a circulação de pessoas foram adotadas e o estado entrou em um regime de quarentena.

Em nosso município, a partir de 20 de abril, o uso de máscaras passou a ser obrigatório na cidade, para entrada em qualquer estabelecimento. Na época, ainda não era obrigatório o uso nas ruas, mas a situação mudou dois meses depois, em 20 de junho, quando foi decretado o uso obrigatório de máscaras em espaços públicos.

 

(Arte: Dauana Amorim)

A convivência com o vírus, desde que ele chegou à cidade, tem sido de altos e baixos. No período entre o fim do mês de agosto e o fim de outubro, o município viveu o momento mais “tranquilo” da pandemia, quando a média de novos casos diários era de 4,8. Também no mês de agosto, houve uma redução de mais de 83% neste quesito, uma vez o começo do mês apresentou 130 casos ativos da doença, contra apenas 22, no último dia 31. O pico aconteceu em 06 de agosto, quando 146 pessoas estavam com o vírus ativo, em nossa cidade. Por outro lado, nos dias 24 e 26 de agosto, este número chegou a apenas 18 casos.

Em novembro, no entanto, os casos voltaram a subir, tendo uma leve queda no fim do mês de janeiro, mas com um aumento expressivo a partir do mês de fevereiro (conforme gráfico na página 10), chegando ao mês de março com o pior momento da pandemia. O ápice do número de casos ativos na cidade foi registrado no dia 19 de fevereiro, quando o município contabilizou 236 casos ativos da doença. Cerca de três semanas depois, a cidade chegou ao 40º óbito em decorrência da doença, uma mulher, de 66 anos, com comorbidades, que encontrava-se internada na cidade de Blumenau.

Atualmente, vivemos um misto de apreensão, com o colapso na rede de saúde e a chegada das vacinas. Este momento tão esperado, foi vivido em Pomerode há dois meses, em 20 de janeiro, quando as duas primeiras profissionais de saúde receberam a dose da vacina. Desde então, de acordo como boletim mais recente da Prefeitura de Pomerode, 1.530 pessoas já foram imunizadas.

 

Primeiros registros em Pomerode

Conforme dito, no dia 20 de março, a cidade confirmava o primeiro caso de Covid-19. Um dos primeiros pacientes que tiveram o diagnóstico positivo para a doença, que não quis se identificar, acredita que tenha contraído a doença no exterior. Ele teve apenas sintomas leves da doença e, também, não houve sequelas causadas pelo vírus.

Na época da confirmação, ele revela ter sofrido preconceito por parte de outras pessoas, por ser um paciente positivado, mas que tentou ao máximo relevar os comentários negativos.

“É uma doença que não pode ser subestimada, não tem como saber qual será a reação no seu organismo. Assim como alguns não sentem quase nada, outros acabam falecendo. Infelizmente muita gente, mesmo com todas as campanhas, acaba não tomando os devidos cuidados, promovendo aglomerações, etc”, afirma João (nome fictício).

Hoje, de acordo com o pomerodense, a família toma todos os cuidados possíveis para evitar a doença, uma vez que existe a possibilidade da reinfecção. “Estamos evitando ao máximo sair de casa, e quando saímos, tomamos os cuidados de higiene e proteção orientados. Tenho receio sim (de reinfecção), o fato dos sintomas terem sido amenos na primeira infecção, não garantem a mesma sorte numa segunda. E o mais importante, não quero ser mais um agente de proliferação do vírus. Todos temos algum familiar ou conhecido que possa ter comorbidades e não reagir muito bem à doença, portanto, além de nos proteger, precisamos protegê-los também”, ressalta.

 

A dor da perda

O vírus chegou sem aviso prévio e levou duas pessoas amadas da família Duarte, que hoje sofre com a perda de Bruno Klemann, de 86 anos, e José Dorli Duarte, de 70, pai e marido, respectivamente, de Magrit Klemann. Os dois morreram em janeiro deste ano, por complicações causadas pela Covid-19, com um intervalo de pouco mais de uma semana.

Na semana do dia 20 de dezembro, Magrit revela que começou a ter episódios com muito suor, nos quais não tinha febre ou nenhum outro sintoma, mas que ela nunca havia sentido. Ela buscou atendimento no posto de saúde e no hospital, e recebeu medicação, retornando para casa. Como não tinha nenhum outro sintoma, não pensaram que poderia ser Covid-19.

Cerca de 10 dias depois, o pai foi internado, com falta de ar e febre, recebendo o diagnóstico positivo para a Covid-19. “Também fiz o teste, que deu positivo, mas o Duarte (marido) não fez, sendo considerado positivo por morarmos na mesma casa. Nós ganhamos os mesmos remédios, as mesmas dosagens, tudo foi tomado igual. Meu pai, alguns dias depois, teve alta e veio para casa. Mas ele voltou a ter febre e precisou ser internado novamente”, conta Magrit.

Na mesma semana, o marido de Magrit também se sentiu mal e foi levado ao hospital, onde foi medicado e retornou para casa. Na manhã seguinte, ele sentiu febre, que sempre retornava, mesmo após a medicação. Um dia depois, ele começou a sentir falta de ar e precisou ser internado. De acordo com Magrit, o marido foi levado ao Hospital em Timbó para realizar um exame e acabou sendo intubado na UTI de lá, pois seu quadro de saúde piorou rapidamente. Foi a última vez em que puderam ver José Duarte.

 

João Duarte, com a esposa, Magrit, e o sogro, Bruno Klemann. (Foto: Arquivo pessoal)

“Naquele dia, o pessoal do Hospital ligou e nos disseram que o pai precisaria ser intubado, porque a situação dele piorou. Deu uma queda muito grande na saturação, de uma hora para outra, assim. Aí, a gente recebia as ligações, contando como ele estava. Ainda lembro que a última coisa que o pai ainda falou, que eles nos repassaram, foi ‘avisa a minha família e que amava a minha mãe’, relembra uma das filhas de José Duarte, Anna Paula.

Bruno Klemmann faleceu às 8h30mindo dia 15 de janeiro. Pouco mais de uma semana depois, em 24 de janeiro, José Duarte também não resistiu às complicações da doença e morreu, no Hospital Oase.

“Para nós, foi um choque muito grande, principalmente por nosso pai (José Duarte). Porque nosso opa, tinha 86 anos e nós víamos que a idade vinha chegando e que ele estava cada vez mais fraco. Mas nosso pai nós vimos andando até tudo acontecer, vimos ele entrando no carro e, de repente, não voltou mais. Uma das coisas que é mais difícil da Covid, é você não poder mais ver a pessoa, não poder mais conversar. Nosso pai fazia tudo, mesmo a gente casada, tendo filhos, ele dizia, vamos Anna, vamos Carol, vamos Bruna. Ele sempre estava do nosso lado, sempre segurando a nossa mão. O que será que o pai não sentiu quando falaram que iriam intubá-lo, ele estando sozinho. Isso é o que mais dói”, relata Anna Paula, muito emocionada.

“O Duarte entrou na minha vida em um mês de novembro. Logo em dezembro nós noivamos e no dia 10 de janeiro, ele veio morar conosco. E dia 24 ele foi em sem dizer tchau, depois de 42 anos. Como ele veio, de repente, ele também foi. E agora fica a saudade, assim como em tantas famílias destruídas por esse vírus”, relata Magrit.

“Eu penso sempre, se o ser humano fosse um pouco mais consciente, a doença já teria retrocedido um pouco e nós não estaríamos passando pelo que estamos passando hoje”, finaliza Anna Paula.

 

A família busca, hoje, forças para seguir em frente. (Foto: Bob Gonçalves / Jornal de Pomerode)

 

O alívio da recuperação

Quem também sofreu a apreensão de enfrentar dois casos graves da doença, foi a família Ehlert Behling. Fredi Behling e o sogro, Roland Ehlert chegaram a ser internados na UTI do Hospital Oase em decorrência da gravidade das consequências da doença.

O primeiro a sentir os sintomas da Covid-19 foi Fredi, por volta do dia 12 de setembro, e afirma que logo começou a sentir todos os sintomas possíveis da doença. Behling deu entrada no HMRT no dia 20 de setembro e teve que ser intubado já no dia seguinte, sendo transferido ao Hospital Oase.

Dias depois, o sogro, Roland Ehlert, começou a sentir os primeiros sintomas da doença, como perda de olfato e paladar. Com o resultado positivo, ele foi internado uma primeira vez, mas voltou para a casa. Alguns dias depois, começou a ter febre em decorrência da doença e voltou ao HMRT, sendo também transferido, na sequência, para o Hospital Oase.

Behling ficou internado de 21 de setembro até 16 de outubro, enquanto Roland precisou da internação hospitalar de 04 a 21 de outubro. Ambos precisaram de intubação e chegaram a ter um quadro grave da doença.

“Sempre adotamos todos os cuidados para evitar contrair a doença, mas mesmo assim, fomos infectados e de forma grave. Eu tive pneumonia e diversas infecções causadas pela doença e estive na intubação. Mas, felizmente, fui sempre muito bem cuidado pelos médicos e enfermeiros e, com a força das orações e de Deus, pude me recuperar”, conta Behling.

Devido à sedação, os dois não têm muitas lembranças do tempo passado no hospital, apenas sabem de todo o ocorrido pelos relatos de médicos e da família, que os apoiou incondicionalmente neste período. Hoje, meses depois, os dois ainda se recuperam das sequelas da doença.

 

(Foto: Isadora Brehmer / Jornal de Pomerode)

“Eu tive muita perda de massa muscular e, até hoje, sinto falta de força em alguns momentos. Por isso, assim que recebemos alta, contratamos um fisioterapeuta para nos auxiliar na recuperação, o que tem sido muito importante para mim e para o Opa”, afirma Behling.

Ehlert também sentiu as sequelas físicas e, por um tempo, ficou dependente de cuidados, para voltar a se movimentar. Hoje, ele já consegue caminhar com a ajuda de muletas e recuperou um pouco da independência.

Porém, mesmo ainda se recuperando da Covid-19, os dois agradecem por terem se recuperado e, principalmente, ao cuidado de todos os profissionais durante a internação.

“Fomos sempre muito bem cuidados por todos os médicos e enfermeiros, realmente foi um atendimento excelente e humanizado. Lembro de que, quando retiraram a sedação, eles nos mostravam vídeos da família e dos amigos, mandando energias positivas, algo que nos motivava a ter força na recuperação”, comenta Fredi, o popular Manga.

“Enquanto eu estava internado, os médicos e enfermeiros conversavam muito comigo e isso fazia com que eu me sentisse bem. Quando eu recebi alta, meus netos vieram me recepcionar e foi muito emocionante, tanto que chorei quando cheguei em casa”, conta Ehlert, que completa 87 anos neste ano.

O sentimento da família, hoje, é dividido entre a esperança, com o recebimento da primeira dose da vacina pelo Opa Roland, mas também de tristeza, pois o irmão mais velho dele, que residia em Curitiba, foi uma das vítimas da Covid-19, aos 91 anos.

“Eu vejo tudo que aconteceu como um aprendizado muito grande. Nunca tinha vivenciado algo assim e acho que Deus está tentando nos ensinar a resgatar alguns valores importantes. Também preciso agradecer às mulheres da nossa família, aos meus netos, que sempre foram incansáveis para nos auxiliar e nos transmitir força, para vencermos esse obstáculo”, pondera Ehlert.

“Quero agradecer a todas as mensagens de carinho e orações que recebemos, porque elas nos enviaram energias positivas e nós, com certeza, as recebemos. Essa força que todos transmitiram, principalmente a família e amigos nos enviaram foi fundamental para que estivéssemos aqui, hoje, contando essa história”, enaltece Behling.

 

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