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Coluna do Gavazzoni

O verdadeiro mal do século Drones, carros elétricos, óculos que filmam, energia solar, comunicação virtual. De um lado, vivemos uma realidade que há poucas décadas era imaginada como um futuro muito distante. De outro, convivemos com uma situação medieval, com estatísticas dignas de uma barbárie: mais de dez mulheres são…

24 de março de 2017

O verdadeiro mal do século

Drones, carros elétricos, óculos que filmam, energia solar, comunicação virtual. De um lado, vivemos uma realidade que há poucas décadas era imaginada como um futuro muito distante. De outro, convivemos com uma situação medieval, com estatísticas dignas de uma barbárie: mais de dez mulheres são assassinadas por dia, uma é estuprada a cada 11 minutos e uma é espancada a cada 24 segundos. Tudo isso no Brasil, o quinto país mais violento com a mulher numa lista de 83 nações. 

Esse é o retrato da nossa sociedade em pleno 2017. Parafraseando a música do Legião Urbana, se nos derem espelhos, veremos um mundo doente. Enquanto continuarmos tratando o problema da violência contra a mulher como estatística, estaremos a anos-luz de falar sobre igualdade de gêneros. Mesmo em Santa Catarina, um dos estados mais avançados em indicadores sociais, três mulheres são vítimas de estupro por dia – o crime que mais aumentou em 2016. E a violência contra a mulher ocorre de várias formas. Nos últimos 12 meses, mais de 40 mil mulheres foram vítimas de alguma agressão física, segundo a nossa Polícia Militar. E, certamente, são em número ainda maior os casos não comunicados.

Muitas mulheres literalmente apanham caladas – o que é de certa forma “justificado” pela nossa cultura machista. Pesquisas recentes revelaram que muitas pessoas consideram as próprias mulheres vítimas de agressão sexual como responsáveis por não se comportarem de maneira “adequada”.

Como frear esse absurdo se, muitas vezes, o agressor é aquele que deveria proteger? Namorados, maridos e até pais que se transformam em algozes. A violência contra a mulher é um crime que, muitas vezes, acontece dentro de casa, por isso tanta dificuldade na sua repressão. É uma epidemia sobre a qual o Estado não tem controle – embora canais de denúncias e ações judiciais sejam cada vez mais recorrentes.

Em minha opinião, somente a união de homens e mulheres pode mudar a situação. Feminismo tem que deixar de ser palavrão até que não se precise mais falar disso. Afinal, as mulheres já são mais da metade da população e respondem por 43,25% do total de vagas com carteira assinada no país. Talvez pelo fato de ter nível de instrução superior ao dos homens (7,5 anos de estudo contra 7), o único setor em que as mulheres são maioria é o da administração pública: ocupam 5,5 milhões dos 9,5 milhões de postos de trabalho. E nem mesmo no trabalho as mulheres escapam: um estudo de 2016 (Vagas.com) mostrou que apenas 12% das assediadas denunciaram os colegas, a maioria intimidada pelo risco de perder o emprego.

Se as vítimas não podem falar, nós precisamos agir por elas. Além de toda a contribuição social, cultural e intelectual, as mulheres precisam ser respeitadas por sua infindável coleção de qualidades humanas. Como é possível tolerar agressões das mais escabrosas contra aquelas que nos dão a vida, que cuidam umas das outras, que cuidam da maioria das crianças e de muitos homens que nem mereceriam?

Não podemos mais ser coniventes nem tolerar a cultura ultrapassada do “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Nesses casos se mete sim, se for o caso, se mete o agressor na cadeia. Nós homens já temos privilégios demais. Já passou da hora de caminharmos juntos em direção a uma sociedade mais justa e sadia para todos e todas.

Antonio Gavazzoni, secretário de Estado da Fazenda e doutor em Direito Público

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